São Paulo, quinta-feira, 05 de janeiro de 2006

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MÚSICA

Guitarrista é o responsável por orquestrar o show da banda, que se apresenta no Brasil nos dias 20 e 21 de fevereiro

U2 busca a "melhor canção do mundo", diz The Edge

Ben DeVries - 15.dez.2005/Associated Press
The Edge toca guitarra ao lado de Bono Vox, durante show em Omaha, nos Estados Unidos


MARK ELLEN
DO "INDEPENDENT"

Com o rugido dos aplausos ainda ecoando pelo ar noturno, o cortejo de veículos parte. Sirenes são acionadas, um portão metálico se abre e oito veículos negros ascendem uma rampa de concreto e entram velozmente na via expressa. O U2 "está na corrida".
The Edge limpa o vidro embaçado e olha as luzes que piscam de maneira indistinta. Dá de ombros, de um jeito meio tímido, sugerindo que a coisa toda é um tanto absurda, mas, no patamar que eles atualmente ocupam, é a única maneira de operar. "Em certa medida, você avalia o nível de afeto em uma cidade pela qualidade do apoio que a banda recebe", ele diz, profissionalmente.
Dale Evans vive dessa maneira há quase 30 anos, um ciclo de composição, gravações e shows que começou quando ele tinha 17 anos. Jamais viveu de outra forma. E, nos últimos 20 anos, vem operando nesse nível, viajando com uma equipe de três técnicos e 60 trabalhadores de apoio a fim de reproduzir da maneira mais fiel possível a música que ele cria em estúdio.
Nascido em Essex, filho de pais galeses, ele se mudou para a zona norte de Dublin com um ano de idade e agora, aos 44 anos, é pai de três filhas com sua namorada de infância e mais uma menina e um menino com sua segunda mulher, que foi coreógrafa da banda. Ele ajudou a sustentar uma fórmula que vende tanto ingressos quanto discos em todos os cantos do mercado mundial. The Edge é o herói discreto, o responsável por orquestrar o show da maior história de sucesso do rock de nossa era, uma banda cujo rosto público é quase sempre o de seu velho colega de escola.
"Bono continua faminto, e é por isso que a banda durou tanto tempo", disse Dik Evans, irmão de The Edge. "Bono cumpre seu papel -e é essencial-, mas nenhum deles faz tanto quanto meu irmão. The Edge é basicamente a sala de máquinas, e trabalha a cada dia no estúdio para fazer com que os discos aconteçam. E não aconteceriam sem ele."

Uma vez na América
Os Estados Unidos adotaram o U2. The Edge se lembra de ter tocado em um bar de Boston para apenas 300 pessoas, abrindo para uma banda chamada Malooga. Quando o show de abertura terminou, o público inteiro foi embora. Eles estavam conquistando a América.
Passados 25 anos, aqueles 300 e poucos espectadores sem dúvida estavam de volta para renovar o contato, mas dessa vez levaram quase 20 mil amigos com eles. O rugido com que o U2 foi recebido era ensurdecedor, especialmente da ala irlandesa.
Na tarde seguinte, The Edge está em um apartamento de 12º andar no SoHo, Nova York, mexendo um chá gelado e olhando para Nova Jersey pela ampla janela.
"O meu maior orgulho é a minha humildade", ele diz. Suas sentenças perfeitamente construídas demonstram os poderes de concentração necessários para operar um gigantesco sistema de som.
"Nossa música não tem teto. Não foi inspirada pela mentalidade do bar de blues, vem de um lugar diferente. Nós tocamos para ressaltar nossos pontos fortes, e o nosso forte, de certa forma, é manter o som muito enxuto e simples."
Como o U2 compõe suas canções? "Você começa sendo a nova geração, que estabelece sua identidade rejeitando a geração anterior, isso é parte do ciclo. Mas no final você simplesmente insiste em compor até se aproximar daquilo que acredita ser a melhor canção do mundo."
Mas, afinal, que canção seria essa? "Coisas diferentes em momentos diferentes. Nós sempre vemos pessoas diferentes em nossas cabeças. Podia ser Bob Marley. Podia ser John Lennon. Podia ser o Clash. No começo, provavelmente era The Fall, Echo and the Bunnymen, o Magazine. Todas essas influências estão presentes em sua cabeça quando você está trabalhando."

Trabalho em estúdio
"A primeira versão de "One", que eu gravei com apenas um violão e um piano, me soava parecida demais com o som de John Lennon. Todo mundo dizia que era preciso jogar a canção em outra direção. Então, Brian [Eno] e Danny [Lanois, os co-produtores] deram-lhe nova forma, e eu criei uma parte para guitarra elétrica", lembra The Edge.
"Eu disse que devíamos experimentar com a canção por cerca de meia hora.Voltamos à sala principal do Hansa -um estúdio fantástico, em um salão de baile dos anos 20, em Berlim. Bowie gravou "Low" lá, Nick Cave gravou lá. Nós quatro entramos. Comecei a tocar os acordes, Bono foi ao microfone e teve a idéia do refrão de "One" logo na primeira improvisação. O efeito emocional era intenso. Praticamente completamos o trabalho em três horas."
Ele fala da partitura para o musical sobre o Homem-Aranha que ele e Bono estão compondo, como um projeto para a Broadway dentro de dois anos. Fala de sua mulher e de como ela diz que ele fica insuportável no primeiro mês depois de uma turnê. Mas em geral ele fala sobre seu relacionamento com os três outros rapazes que conheceu na escola Mount Temple Comprehensive e sobre a sorte, trabalho árduo e delicadas negociações que permitiram que o relacionamento sobrevivesse.
"Eu não necessariamente concordo com tudo que Bono faz, mas é preciso reconhecer que cada um de nós tem sua opinião particular. Ninguém jamais traiu o compromisso assumido com o grupo. O importante são as canções. Se forem ótimas, são ótimas apesar de nós, não por causa de nós. Honestamente continuo a nos ver como quatro rapazes sortudos da zona norte de Dublin."
Os três outros rapazes mostram emoção quando convidados a expressar uma opinião sobre a sala de máquinas da banda. "The Edge, quando o conheci, tinha essa qualidade sobrenatural", reflete Adam Clayton, "e ao mesmo tempo era cool, distante".
"Em quase 30 anos", diz Larry Mullen, "aprendi a jamais subestimá-lo. Em qualquer nível. Sua busca persistente e incansável da canção perfeita, do som perfeito, da idéia perfeita".
O pronunciamento poético de Bono vem acompanhado de um sorriso feroz: "Por sob a placidez, o domínio quase zen dos dedilhados e as notas cristalinas escolhidas com perfeição, existe raiva, um lado explosivo, como eu descobri mais que umas poucas vezes. Nunca compre briga com um homem que ganha a vida com a perfeição de sua coordenação motora".

Tradução Paulo Migliacci

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