São Paulo, segunda-feira, 05 de janeiro de 2009

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Crítica/"Boy", "October", "War"

U2 já anunciava pop, política e ego

"Boy", "October" e "War" iniciam relançamento de série de CDs que vai até "Pop" (1997); discos trazem faixas extras

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Era uma vez um garoto. De olhar inocente e peito glabro. Naquele ano de 1980, ele olhava firme para quem segurasse a capa do álbum "Boy", o primeiro da larga trajetória da banda irlandesa U2. Ao escutarmos agora as 11 faixas que compõem o disco, é difícil imaginar que o eco daquelas canções de batidas secas e letras inocentes ia se fazer ouvir até os dias de hoje, através do som daquela que se tornou a mais poderosa banda de rock/ pop da atualidade.
"Boy" está sendo relançado em edição luxuosa e com um disco de bônus junto com os dois trabalhos seguintes do grupo, "October" (1981) e "War" (1983). Até meados do ano, serão também reeditados todos os álbuns até "Pop" (1997). Aos registros originais, estão sendo acrescentadas versões ao vivo e outras gravações.
Esse primeiro pacote serve de aperitivo aos fãs que esperam "No Line on the Horizon", o 12º disco do U2, previsto para março, no Reino Unido.
As letras de "Boy" falam em geral de conflitos de adolescência. Apesar da forte influência punk, anuncia um namoro com o pop, por meio das melodiosas "Stories for Boys" e "A Day Without Me". Bono já estreia sem conseguir conter o ego, o que se percebe, por exemplo, pela letra de "The Ocean": "and I felt like a star, I felt the world could go far, if they listened to what I said" (me senti como uma estrela, senti que o mundo poderia ir longe, se eles tivessem ouvido o que eu disse).
No ano seguinte à explosiva estreia, porém, a banda lançou um álbum confuso, que quase a afundou precocemente.
"October" tratava, basicamente, da forte inquietação espiritual em que se encontravam nada menos que três de seus quatro membros. The Edge, Bono e Larry Mullen frequentavam discussões sobre religião e questionavam as relações possíveis entre esta e o rock. Daí nasceram belas canções, como "Gloria" e "Rejoice", destaques do CD. Por outro lado, deu-se uma cisão entre Bono e Edge, que deixaram o grupo temporariamente.

Viagem punk-esotérica
"October" é uma espécie de viagem punk-esotérica, cujos exageros foram contidos nos álbuns seguintes, mas que começou a alimentar os desejos salvacionistas, cada vez mais intensos, de Bono.
Dois anos depois, "War" (1983) veio fortalecer a identidade política do U2. O disco começa com a batida inconfundível de "Sunday Bloody Sunday", hit máximo do grupo. A letra fazia referência ao ataque a um grupo de irlandeses por parte do governo britânico em 1972, em Derry, na Irlanda do Norte. Mas esta não é a única faixa de protesto do disco.
Também a invasão soviética do Afeganistão e a linha conservadora adotada por Ronald Reagan nos EUA e Margaret Thatcher no Reino Unido davam o pano de fundo para o conjunto temático da obra.
A partir daí, o U2 daria duas grandes guinadas. Uma em 1987, com o álbum "The Joshua Tree", que reforçaria o projeto messiânico de Bono. Outra, em 1991, com "Achtung Baby", que direcionou a banda para o pop.
Tantas revoluções fazem pensar que esses três álbuns dos anos 80 pudessem ter caducado. Porém, ouvi-los hoje causa efeito oposto.
Parece que tudo o que o U2 é na atualidade já estava de algum modo ali, no olhar daquele garoto. Afinal, o tripé em que o conjunto ainda se apoia estava dado desde a primeira faixa de "Boy". A pegada cortante e violenta da bateria de Larry Mullen, a peculiar linha melódica da guitarra de The Edge e o vocal arrogante e inconfundível de Bono. Acima de tudo, pode-se pressentir neles desde cedo a ambição de interferir nos rumos do mundo -elemento que segue fazendo com que a banda seja, ao mesmo tempo, tão amada e tão odiada.


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