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Crítica/"Boy", "October", "War"
U2 já anunciava pop, política e ego
"Boy", "October" e "War" iniciam relançamento de série de CDs que vai até "Pop" (1997); discos trazem faixas extras
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Era uma vez um garoto.
De olhar inocente e peito glabro. Naquele ano
de 1980, ele olhava firme para
quem segurasse a capa do álbum "Boy", o primeiro da larga
trajetória da banda irlandesa
U2. Ao escutarmos agora as 11
faixas que compõem o disco, é
difícil imaginar que o eco daquelas canções de batidas secas
e letras inocentes ia se fazer ouvir até os dias de hoje, através
do som daquela que se tornou a
mais poderosa banda de rock/
pop da atualidade.
"Boy" está sendo relançado
em edição luxuosa e com um
disco de bônus junto com os
dois trabalhos seguintes do
grupo, "October" (1981) e
"War" (1983). Até meados do
ano, serão também reeditados
todos os álbuns até "Pop"
(1997). Aos registros originais,
estão sendo acrescentadas versões ao vivo e outras gravações.
Esse primeiro pacote serve
de aperitivo aos fãs que esperam "No Line on the Horizon",
o 12º disco do U2, previsto para
março, no Reino Unido.
As letras de "Boy" falam em
geral de conflitos de adolescência. Apesar da forte influência
punk, anuncia um namoro com
o pop, por meio das melodiosas
"Stories for Boys" e "A Day Without Me". Bono já estreia sem
conseguir conter o ego, o que se
percebe, por exemplo, pela letra de "The Ocean": "and I felt
like a star, I felt the world could
go far, if they listened to what I
said" (me senti como uma estrela, senti que o mundo poderia ir longe, se eles tivessem ouvido o que eu disse).
No ano seguinte à explosiva
estreia, porém, a banda lançou
um álbum confuso, que quase a
afundou precocemente.
"October" tratava, basicamente, da forte inquietação espiritual em que se encontravam nada menos que três de
seus quatro membros. The Edge, Bono e Larry Mullen frequentavam discussões sobre
religião e questionavam as relações possíveis entre esta e o
rock. Daí nasceram belas canções, como "Gloria" e "Rejoice", destaques do CD. Por outro
lado, deu-se uma cisão entre
Bono e Edge, que deixaram o
grupo temporariamente.
Viagem punk-esotérica
"October" é uma espécie de
viagem punk-esotérica, cujos
exageros foram contidos nos
álbuns seguintes, mas que começou a alimentar os desejos
salvacionistas, cada vez mais
intensos, de Bono.
Dois anos depois, "War"
(1983) veio fortalecer a identidade política do U2. O disco começa com a batida inconfundível de "Sunday Bloody Sunday", hit máximo do grupo. A
letra fazia referência ao ataque
a um grupo de irlandeses por
parte do governo britânico em
1972, em Derry, na Irlanda do
Norte. Mas esta não é a única
faixa de protesto do disco.
Também a invasão soviética
do Afeganistão e a linha conservadora adotada por Ronald
Reagan nos EUA e Margaret
Thatcher no Reino Unido davam o pano de fundo para o
conjunto temático da obra.
A partir daí, o U2 daria duas
grandes guinadas. Uma em
1987, com o álbum "The Joshua
Tree", que reforçaria o projeto
messiânico de Bono. Outra, em
1991, com "Achtung Baby", que
direcionou a banda para o pop.
Tantas revoluções fazem
pensar que esses três álbuns
dos anos 80 pudessem ter caducado. Porém, ouvi-los hoje
causa efeito oposto.
Parece que tudo o que o U2 é
na atualidade já estava de algum modo ali, no olhar daquele
garoto. Afinal, o tripé em que o
conjunto ainda se apoia estava
dado desde a primeira faixa de
"Boy". A pegada cortante e violenta da bateria de Larry Mullen, a peculiar linha melódica
da guitarra de The Edge e o vocal arrogante e inconfundível
de Bono. Acima de tudo, pode-se pressentir neles desde cedo a
ambição de interferir nos rumos do mundo -elemento que
segue fazendo com que a banda
seja, ao mesmo tempo, tão
amada e tão odiada.
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