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"O surrealismo me atrai por sua liberdade plena"
Fernando Lemos, 82, ganha exposições e lançamentos de livros sobre a sua obra
MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL
A liberdade e a experimentação (ou a falta delas) parecem
ser indissociáveis da trajetória
artística de Fernando Lemos,
82. Filho de pai operário e de
mãe rendeira, o hoje celebrado
fotógrafo, artista plástico e
designer nasceu em maio de
1926 no popular bairro lisboeta
de Campo de Ourique, justamente quando o regime salazarista surgia em Portugal.
"Por coincidência, nasci
quando essa peste teve início",
afirma ele, que conversou com
a Folha em seu amplo ateliê no
Butantã, em São Paulo.
Nos últimos anos, a produção surrealista de Lemos vem
conquistando mais reconhecimento além das fronteiras lusófonas. No ano passado, ganhou mostra com sua produção dos anos 40 e 50 na Photobiennale 2008, em Moscou.
Entre o final deste ano e o começo de 2010, outra exposição
com seus registros surrealistas
inaugura um novo museu de
fotografia em Tenerife, nas
Ilhas Canárias.
Portugal também receberá
nova reunião de suas fotos, no
Museu da Eletricidade, em Lisboa, também entre o final de
2009 e o começo do ano que
vem. A Pinacoteca do Estado
deve montar a mesma mostra.
No Brasil, estão previstos
lançamentos de livros sobre a
obra do artista. De autoria da
curadora e pesquisadora Rosely Nakagawa, o Centro Cultural São Paulo deve lançar
neste ano edição bilingue (em
português e inglês) que compilará a produção fotográfica de
Lemos. A Cosac Naify também
pretende fazer novas edições
de obras infanto-juvenis da
editora Giroflé, criada em 1963
por Lemos e alguns parceiros.
Na época, os livros marcaram
época por sua originalidade
gráfica e por seu direcionamento exclusivo para crianças
e adolescentes (leia ao lado).
"O surrealismo me atrai por
seu sentido de liberdade plena.
Assumimos tudo o que há de riqueza no sonho. E, quando você nasce dentro de uma ditadura, você começa a ver na liberdade uma coisa mais que divina. Foi só depois que percebi
que não precisamos lutar para
ser livres, nós nascemos livres", diz Lemos, que fugiu da
repressão salazarista em 1953
ao viajar para o Brasil, morando inicialmente no Rio e depois
em São Paulo, onde trabalhou
na organização dos festejos do
Quarto Centenário da cidade.
"Essa liberdade do surrealismo deu à minha obra o que hoje se chama de multimídia. Escrevo como se fizesse fotografia, faço fotografia como se pintasse, pinto como se estivesse
fazendo desenho", diz Lemos.
"As pessoas têm dificuldade de
me encaixar em algo, não sabem onde me colocar."
Essa multiplicidade de linguagens aparece já no começo
da trajetória de Lemos. Aluno
dos cursos livres da Sociedade
de Belas Artes de Lisboa desde
sua adolescência, onde se destacou fazendo desenhos, o
artista vai dar seus primeiros
passos no surrealismo por
meio de suas pinturas, como
"Berlengas", de 1948, tela
de sua coleção pessoal que
deve ser vendida para um novo
museu português, que será
dedicado exclusivamente ao
movimento.
Escândalo
Em 1949, Lemos começou a
realizar seus experimentos
em fotografia, que culminariam numa ruidosa mostra na
Casa Jalco, luxuosa loja de
móveis no bairro lisboeta do
Chiado, em 1952, com trabalhos dele, de Fernando Azevedo e de Marcelino Vespeira.
"Foi um escândalo. As pessoas não estavam preparadas
para aquilo. Era uma loja de
móveis de um sujeito que caiu
na esparrela de emprestar a casa para a gente. Entrou numa
fria danada, porque os fregueses ficaram telefonando para
ele reclamando da mostra."
As imagens, com poses pouco
usuais e sobreposições de retratos de intelectuais amigos de
Lemos, como os escritores Jorge de Sena e Sophia de Mello
Breyner, dos pintores Maria
Helena Vieira da Silva e Arpad
Szenes, entre outros, foram
marco da modernidade fotográfica portuguesa, tendo sua
importância revista após a Revolução dos Cravos, em 1974.
"A oposição era toda relacionada entre si. Toda essa gente
era contra o governo, ela não
podia dar aula, não podia publicar, não podia trabalhar. Os retratos que fiz tornaram-se uma
galeria de figuras importantes,
que, àquela altura, não podiam
fazer nada", conta. "Não era só
arte, era uma luta antifascista,
antisalazarista, isso custou a vida de muitos. Teve gente que ficou presa 30 anos."
Brasil
Apesar da união entre os círculos intelectuais lisboetas, Lemos não suportou a falta de liberdade e partiu para o Brasil
em 1953, radicando-se no Rio,
onde trabalhou como ilustrador e designer. Na então capital
do país, fez amizade com nomes importantes da cultura,
como Carlos Drummond de
Andrade e Vinicius de Moraes.
No ano seguinte, mudou-se
para São Paulo, onde tornou-se
amigo de artistas do movimento construtivo, como Willys de
Castro e Hércules Barsotti. Na
cidade, também conheceu a
produção experimental e com
toques surrealistas, realizada
por nomes como Thomaz Farkas e Geraldo de Barros.
"Foram experimentos feitos
na mesma época, paralelamente, de 1947 a 1952, dos dois lados do oceano. Tenho um afeto
muito grande pelo Farkas, pelo
Geraldo e pelo German Lorca",
diz Lemos.
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