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LITERATURA
Escritora atingiu um grau sofisticadíssimo de percepção Discurso de Hilda é o de louco refinado
Discurso de Hilda é o de louco refinado
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
A poeta Hilda Hilst não ficou
uma década que fosse sem
receber algum dos prêmios literários disponíveis no país. Ganhou
todos eles, assim como colecionou dezenas de elogios da crítica
daqui e também da França, onde
foi publicada nos anos 90.
Apesar dos aplausos dos especialistas, a escritora nunca gozou
de muita penetração pública. E
ressentia-se dessa relativa obscuridade. Deve ter pensado, com
acerto, de que vale o autor, ou sua
obra, sem essa outra ponta do
triângulo que faz mover o fenômeno artístico: o público?
Talvez por isso tenha lançado
sua trilogia dita obscena, composta de "Caderno Rosa de Lori
Lamby", "Contos de Escárnio &
Textos Grotescos" e "Cartas de
um Sedutor". Se a literatura supostamente séria não vendia, ou
seja, não atingia um público, será
que este último não seria espicaçado pela literatura supostamente
pornográfica? Quem leu alguma
das três partes da trilogia sabe que
tudo não passou de uma refinada
estratégia de chamar um público
a si. Hilda espertamente desconversava. A um estudante de artes
cênicas, que foi cumprimentá-la
por um dos livros da trilogia, ela
retrucou: "Você sentiu tesão? Se
não sentiu, não valeu nada".
Hilda queria atingir o leitor em
todos os níveis: intelectual, sensorial e, por que não?, sexual. Uma
marca comum a todos os seus
textos, independentemente de
seu estado de fragmentação, estranheza e irreverência, está na
sua peculiar comunicabilidade.
Embora a autora tenha se preocupado em expressar uma experiência, esta não se dava a partir
de um dado exterior, mas de um
percurso interno (daí os constantes fluxos de consciência). Nessa
viagem pelos meandros do ser, ela
não poupava nada nem ninguém.
Noções místicas se misturavam a
vulgares considerações corporais.
Assemelha-se a um discurso de
um louco, mas louco no sentido
de quem atingiu um grau sofisticadíssimo de percepção, que precisa ser comunicado de um modo
igualmente complexo. Difícil, por
vezes, de ser compreendido.
Somem-se a isso as referências
filosóficas, literárias, mitológicas
e religiosas que encontramos, de
maneira velada ou não, em seus
textos. Elas aliam-se a esse fluxo
desvairado de consciência e às
constantes quebras de narrativa,
em que, ocasionalmente, são inseridos trechos poéticos ou diálogos dramáticos, à feição de uma
peça de teatro.
É no refletido afã de expressar
tudo, de todas as formas, que precisamos entender a estranha comunicabilidade dos textos de Hilda. E se o público se afasta da ficção "séria" e de seus livros de poesia, por que não estimulá-lo pela
via do sexo? Afinal, trata-se apenas de outra faceta do humano,
do demasiado humano, que a autora pretendeu descrever-nos.
Tendo vivido poucos anos dos
2000, Hilda foi um dos mais extraordinários e originais escritores da segunda metade do século
passado. Há apenas uma como
ela, embora de todo diferente no
jeito de ser e de escrever: Zulmira
Ribeiro Tavares. Que o Brasil não
se esqueça desses grandes autores
do sexo feminino. Mesmo que
não vendam muito e não estejam
sempre no inconstante circuito
dos holofotes da mídia.
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