São Paulo, segunda-feira, 05 de fevereiro de 2007

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Desde que o samba é samba

Gênero musical chega aos 90 anos ainda marcado pelas fusões do início, o que sempre o envolveu em polêmicas

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Marcelo D2 brinca com um celular e um aparelho antigo em alusão ao samba "Pelo Telefone"


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Gravado pela Casa Edison, na voz de Baiano, como "samba carnavalesco", "Pelo Telefone" fez jus ao adjetivo: estourou no Carnaval de 1917.
O sucesso foi tamanho que se tornou marco inicial do substantivo: o samba nasceu oficialmente há 90 fevereiros -embora outras músicas já tivessem sido registradas antes como samba.
Na verdade, a composição assinada por Donga e Mauro de Almeida ainda tem muito do maxixe, ritmo hegemônico na época, e vira cantiga nordestina em um dos trechos.
A história do samba, portanto, já começou marcada pelas misturas que sempre envolveram o gênero em polêmicas: puristas de um lado, apologistas das fusões do outro. Da bossa nova ao samba-rap, todo experimento com esse símbolo nacional faz barulho.
"O nosso gênero-base, renovando-se a cada década e sempre dando uma rasteira na colonização cultural, ainda é o grande símbolo da identidade musical brasileira. E isso, por sua diversidade, variedade e capacidade de "fagocitar" tudo", afirma o compositor e escritor Nei Lopes, conhecido por sua aversão a "híbridos" como o mangue beat.
Entre as boas "fagocitoses", Lopes cita o que o então Jorge Ben fez nos anos 60 com o rock e o que Leandro Sapucahy faz hoje com o rap -"de um jeito que o [Marcelo] D2 não quis ou não soube fazer", ressalta ele, para quem o rapper, "apesar de um artista carismático e importante no seu segmento, não aprofunda a fusão porque realmente nunca foi sambista".
"As pessoas que eu gostaria que tivessem respeito por mim no samba têm. Sou amigo de Zeca [Pagodinho], Beth [Carvalho], Arlindo [Cruz], Alcione. Tem um ou outro que rejeita, mas acho que a maioria vê que não cheguei bagunçando, não vendi milhões ou fui no programa do Faustão fazer playback com calcinha de lycra", diz Marcelo D2.

Fusões divulgam
Ele critica o tom "agoniza mas não morre" e afirma que "o samba está no seu devido lugar e ainda vai longe". Conta que um dos momentos mais importantes de sua vida foi quando um menino de oito anos lhe disse que estava ouvindo João Nogueira por causa dele. "Fiquei com a sensação de missão cumprida", lembra D2.
Zélia Duncan, que mergulhou no gênero no CD "Eu Me Transformo em Outras", diz que divulgação é o que de melhor o pop pode dar ao samba. "Musicalmente, o pop precisa mais do samba do que o samba do pop. A rigor, o samba nunca precisou do pop", diz.
Ela conta que, nos shows que fez com os Mutantes no exterior, o momento de maior empolgação era um samba, "Minha Menina". "É, sem dúvida, uma carteira de identidade. Mas não preciso estar com um pandeiro na mão para ser brasileira. Esse estereótipo é muito chato", diz ela, para quem "tudo o que é purista é perigoso".
Autor de "O Mistério do Samba", estudo sobre a transformação do gênero em símbolo nacional, o antropólogo Hermano Vianna é um notório defensor das fusões.
"O samba se garante, mas a fusão está no fundamento de sua história. Por que não se misturar mais? Mistura e manda", diz Hermano.
Para ele, o sucesso do "pagode mais pop" é benéfico para o "samba de raiz", e há qualidade em grupos como Exaltasamba e Revelação. "É samba, sim, e, algumas vezes, samba do muito bom. Qual seria a definição de samba? Quem define? Quem tem o poder de definir?", provoca o antropólogo.
Curiosamente, é Leandro Sapucahy, praticante de fusões e que já produziu muitos discos de pagode pop, quem investe contra essa vertente do samba.

Mercado no romântico
"Ter feito meu disco ["Cotidiano'] foi uma crítica a tudo o que eu sofri quando fazia esse gênero. Eu achava que ia mudar tudo, mas não dá. O mercado te joga no romântico. É uma música mais descartável. Não pretendo nunca gravar romântico. Não quero falar de outro assunto que não seja o que a população vive", marca posição.
O poeta e compositor Herminio Bello de Carvalho defende que se ponham os rótulos de lado para entender o samba "como o fenômeno de massa que ele é". "Acho que o tempo é uma peneira que vai, sabiamente, expurgando aquilo que é moda, que não se fixa na memória. Vejo com muito cuidado essas flutuações, no mais das vezes impulsionadas pelo comércio. Quando elas se dão de baixo para cima, sem imposições mercadológicas, o tempo é ainda o melhor conselheiro."


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