São Paulo, segunda-feira, 05 de fevereiro de 2007

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NELSON ASCHER

Attila József entre parênteses


Ninguém é expulso por texto medíocre. Fosse assim, o ensino superior não teria corpo docente

A POESIA madura do húngaro Attila József (1905-37) se inaugura com um poema que, escrito quando tinha 20 anos de idade, motivou sua saída do curso de Letras da Universidade de Szeged (pronuncia-se "Ségued": segunda maior cidade do país). O que irritou o superior hierárquico deve ter sido, numa época de nacionalismo clericalista, a clareza alegremente assumida de seu anarquismo juvenil.
Censura e afastamento no lugar das láureas ou aplausos libertaram-no dos compromissos a que os precocemente reconhecidos freqüentemente cedem. O poeta deu um passo na direção certa, mas foi o decano da faculdade que lhe assegurou a irreversibilidade.
Antal Horger, um lingüista competente, foi o primeiro a reconhecer, embora com sinal negativo, a grandeza do poema e do autor. Afinal, ninguém expulsa alguém por um texto medíocre. Fosse assim, o ensino superior não teria mais corpo docente nem discente.
O poema com que, 12 anos depois, József encerra sua carreira é uma balada escrita no dia de seu último aniversário (ele se suicidou no mesmo ano) com o intuito de rememorar o acontecido. Este nada tem de rancoroso e seu bom humor se expressa no virtuosismo jubiloso de suas rimas e jogos de palavras. A essa altura, o poeta já sabia que sua melhor vingança teria sido se esquecer do "algoz", mas, como bom Mozart moderno, ele não resistiu à tentação de nomear seu Salieri.
O poema, que coroa 12 anos durante os quais ele triunfara em seus termos, é a maneira pela qual o autor se reapropria conscientemente não só do anterior que, com sucesso de escândalo, o lançara na sua trajetória meteórica, mas também de todos os acidentes de percurso que este acarretara.
Entre ambos os parênteses poéticos e cronologicamente demarcados inclusive dentro de cada um dos textos ("Meus vinte anos pujantes" e "Hoje cheguei aos trinta e dois") ardeu, brilhou e finalmente se autodestruiu um talento que só não é o maior da Hungria porque, por um lado, aquela nação do tamanho de Portugal abrigou, no século 20, mais de meia dúzia de poetas do nível de Fernando Pessoa e, por outro, porque essas hipérboles não fazem sentido, uma vez que os grandes criadores deixam, acima de certo nível, de ser comparáveis.
Faz mais de três décadas que traduzo e retraduzo os poemas que seguem e, se os resultados que apresento não forem capazes de convencer o leitor da qualidade do poeta, talvez valha a pena levar em consideração que não considero nem sequer um segundo dos que lhe dediquei perda de tempo. Pelo contrário.


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