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Mamet satiriza gestão Bush em sua nova peça
"November" tem como protagonista presidente interpretado por Nathan Lane
Ironia do personagem vem do contraste entre o espírito de estadista que gostaria de ter e as ações de político ligado só às circunstâncias
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA, EM NOVA YORK
Às vésperas das eleições, o
cenário não é dos mais favoráveis para o presidente norte-americano Charles H. P. Smith,
que encerra o primeiro mandato. Seus índices de popularidade são baixíssimos, falta dinheiro para pagar anúncios de
TV e nem os seguranças da Casa Branca o levam a sério.
Humilhação suprema: se
perder a reeleição e voltar para
casa, não conseguiu levantar
sequer os recursos necessários
para construir, a exemplo de
todos os ex-presidentes, uma
biblioteca com seu nome para
abrigar os documentos da gestão. Apesar disso, ele ainda não
entregou os pontos - ao menos
até encontrar uma forma hon-rosa de fazê-lo.
Smith é o genérico de presidente dos EUA criado pelo dramaturgo, roteirista, diretor e
produtor de cinema e TV David
Mamet em "November", sua
primeira peça teatral desde
"Romance" (2005) e seu retorno mordaz ao ambiente do longa "Mera Coincidência" (1997),
os bastidores da Casa Branca.
Desta vez, no entanto, toda a
ação se concentra no Salão Oval
da Presidência - restrição espacial que Mamet havia adotado, com ótimos resultados, em
peças como "American Buffalo" e "Oleanna", já adaptadas
para o cinema. E o protagonista, que o público acompanha
em três momentos de crise em
um período de 24 horas, é mesmo o presidente, e não seus assessores.
"November" entrou em cartaz na segunda quinzena de janeiro em uma das salas mais
tradicionais da Broadway, o
Ethel Barrymore Theatre, que
completará 90 anos em dezembro. Mas é um corpo estranho
na vizinhança, ocupada sobretudo por musicais voltados para a diversão sem compromisso
com a reflexão política.
A estréia coincidiu com o
acirramento das eleições primárias nos EUA, que vivem hoje a "superterça" e a conseqüente intensificação do debate a partir da condenação de
Bush e do uso da palavra-chave
"mudança" na campanha.
"Fiquei chocado, depois das
primárias em Iowa, ao me pegar pensando: "Bem, se forem
esses os dois candidatos,
(John) McCain e (Barack) Obama, qualquer um deles provavelmente seria um ótimo presidente'", disse Mamet em entrevista à revista "New York".
Embora garantisse que votaria hoje nas primárias da Califórnia, onde mora, ele se recusou a dizer em quem. "Não sou
um sujeito de falar sobre política. Sou um escritor de humor",
afirmou. "November" não deixa a menor dúvida, com seu habitual ritmo intenso de diálogos evitando que se passe um
mísero minuto sem risos.
Além de Mamet, o grande
responsável por isso é Nathan
Lane ("The Producers"), um
dos maiores astros da Broadway, que representa Smith sem
apelar ao humor de chanchada.
Não é um presidente ridículo,
mas patético, cuja ironia vem
do contraste entre o espírito de
estadista que gostaria de ter e
as ações de político provinciano ligado às circunstâncias.
Dois valorosos personagens
contribuem para lavar a roupa
suja de sua gestão e realçar a
pequenez de sua herança: um
assessor especial (Dylan Baker), lúcido e pragmático, e a
principal redatora de seus discursos (Laurie Metcalf), que
adotou uma criança chinesa e
quer a todo custo que o presidente celebre seu casamento -
com outra mulher.
A certa altura, ao proteger
Smith de uma agressão, ela se
explica: "Fiz isso em nome de
todos os que votaram no senhor". O presidente retruca,
como quem se desculpa: "Eles
não sabiam o que faziam". Na
liberal Nova York, a lembrança
a George W. Bush só provoca
gargalhadas sem culpa.
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