FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Elegância em Tensão", retrospectiva do artista português Julião Sarmento, em cartaz na Estação Pinacoteca, certamente provocaria protestos de feministas, se ocorresse nos anos 1960. O universo feminino é a principal temática da exposição: na referência às estrelas de Hollywood, como Greta Garbo, Audrey Hepburn e Grace Kelly, que aparecem sem cabeça em pinturas e esculturas; no striptease de uma desconhecida, como se observa no vídeo "Parasite"; ou mesmo em outros filmes em super-8, nos quais a mulher pode ser vista em distintos ângulos, mas nunca por completo.
A obsessão em recorrer à mulher como objeto, de fato, poderia incitar um debate conturbado, mas o conjunto da mostra aponta para outro caminho. Com curadoria de Delfin Sardo, a exposição reúne 50 trabalhos de Sarmento em diversas mídias -filmes, pintura, instalação e fotografias, realizadas entre 1991 e 2008, e todas elas são marcadas por situações imprecisas, incompletas, um tanto misteriosas.
É assim em "Parasite", uma das melhores obras da mostra, na qual uma garota faz striptease. Contudo, há tanta manipulação digital no vídeo que nem sempre se é possível saber qual é de fato a situação da modelo, se ela estava tirando ou colocando a roupa. O trabalho possui um ritmo muito próximo à dança contemporânea, ressaltado pela imponente trilha de Prokofiev, a "Dança dos Cavaleiros" de "Romeu e Julieta".
Esse refinado sarcasmo, assim como o misterioso ar de "Parasite", está contido em toda a mostra, seja nas pinturas, como em "The House with the Upstairs in it", título de uma série que aborda a arquitetura, ou mesmo na série das celebridades, com pinturas e esculturas, já vista por completo, na galeria Fortes Vilaça, em 2007. Talvez esse seja, aliás, o único problema da mostra, que é exibir muitas obras já vistas em São Paulo, como também ocorreu com a série de pinturas "Pornstar", de 2002, para um artista com ampla inserção no circuito artístico internacional.
Mesmo assim, "Elegância em Tensão" confirma Sarmento como um dos artistas contemporâneos portugueses mais complexos, que, mesmo apresentando uma obsessão pelo universo feminino, não o faz com preconceito.