São Paulo, Sexta-feira, 05 de Fevereiro de 1999
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Minha vontade é sair beijando, diz Benigni

CLAUDIO CASTILHO
especial para a Folha

"Ciao, bello!" Escuta-se uma voz alta e distante que se aproxima conforme o comediante Roberto Benigni cruza o saguão do hotel Marmont, em Los Angeles.
O cineasta italiano se apresenta eufórico e sorridente à reportagem da Folha, para uma conversa exclusiva sobre a sua mais recente obra cinematográfica, o premiadíssimo filme "La Vita È Bella" ("A Vida É Bela"), que entra em cartaz hoje no Brasil. Leia trechos de sua entrevista.

Folha - Você esperava uma repercussão tão grande de seu filme?
Roberto Benigni -
Tinha uma certeza dentro de mim de que estava fazendo o melhor filme possível. O que sinto agora é uma emoção muito forte ao receber tantos elogios das pessoas pelo meu trabalho. Sinto-me amado e necessitando retribuir toda essa maravilhosa demonstração de amor. Quando passo pelas ruas de Los Angeles, Nova York ou qualquer outra cidade do mundo, a minha vontade é sair beijando todo mundo como forma de gratidão.
Folha - Na sua opinião, o que é mais importante: tornar-se feliz ou levar a felicidade aos outros?
Benigni -
Sem dúvida fazer as pessoas felizes primeiro. Essa relação de amor é inclusive o sentimento mais forte que tento passar no filme. Busquei mostrar que o amor, a imaginação e a liberdade podem conquistar tudo nessa vida. Infelizmente a tragédia pode acontecer em nosso caminho. Estamos felizes e de repente uma reviravolta inesperada ocorre e você deve estar preparado para enfrentá-la.
Folha - O que Roberto Benigni mais aprecia em Guido?
Benigni -
A maneira como ele reage diante das dificuldades que surgem em sua vida e na de sua família. É maravilhoso o jeito como ele usa a imaginação própria e o amor como armas de proteção da inocência e pureza até mesmo das pequenas coisas da vida. De certa forma me acho um pouco parecido com Guido. Estou sempre procurando encontrar o lado positivo das coisas, especialmente nos momentos mais complicados.
Logicamente tenho que admitir que jamais passei nem de longe por circunstâncias tão trágicas como as vividas por Guido. Não sei se, se eu estivesse na pele dele, a minha reação seria a mesma.
Folha - Quando pensou na idéia de usar o tema do Holocausto numa comédia, não passou por sua cabeça a possibilidade de ser criticado por isso?
Benigni -
O fato é que existe muito preconceito em relação aos atores que fazem comédia. Na cabeça de muita gente, um comediante jamais deve falar de coisas sérias. É o que eu chamo de racismo artístico.
Eu acho que muitas vezes somente os palhaços conseguem atingir determinados pontos de uma tragédia. Eles são os maiores exemplos de pureza e inocência que existe, por expressar tão brilhantemente as tragédias da vida.
Agora, quanto a críticas, eu já esperava porque trato no filme da maior tragédia da história humana. Mas hoje eu me sinto gratificado em saber que as pessoas entenderam meu filme, inclusive a comunidade judaica.
Folha - Como você reage à possibilidade de "A Vida É Bela" ser indicado na categoria de melhor filme?
Benigni -
Se isso realmente acontecer, eu acho que vou querer fazer amor com todo mundo que cruzar o meu caminho durante um mês inteiro até o dia da festa do Oscar (risos). Portanto, tome cuidado (uma longa gargalhada).
Folha - E se por acaso você acabar levando o Oscar? Em Cannes, por exemplo, você decidiu beijar os pés de Scorsese. O que faria se recebesse o Oscar agora?
Benigni -
Não me diga isso, que vou começar a pular como louco aqui. Normalmente eu não preparo discursos e falo com meu corpo, já que um momento desses é tão maravilhoso que as palavras saem naturalmente.
Folha - Voltando ao filme, como foi que você encontrou o garoto que faz o papel de Giosué?
Benigni -
Confesso que não foi tarefa fácil. Já havia conversado com mais de mil garotos, muitos deles bons para outros papéis, mas não para encarnar Giosué. Foi quando surgiu Giorgio Cantarini, um verdadeiro presente dos céus.
Ele ia me encontrar acompanhado da mãe, mas acabou decidindo ir sozinho. Vestia um longo casaco, que mais parecia uma roupa de palhaço. Contou-me que na noite anterior ao nosso encontro ele havia tido um sonho no qual eu me aproximava e dizia: "Você vai ser meu filho no próximo filme". A maneira que ele narrou o sonho me conquistou de imediato. Giorgio possuía luz idêntica à de Giosué.
Folha - "A Vida É Bela" e "Central do Brasil" possuem duas coincidências: os meninos têm o mesmo nome (Giosué e Josué) e as mulheres também (Dora em ambos).
Benigni -
Incrível, mas é pura coincidência. Garanto que não foi nada combinado entre mim e Walter Salles. Pode até perguntar a ele (risos). Mas de qualquer maneira é uma coincidência e tanto!
Folha - Você assistiu a "Central"?
Benigni -
Infelizmente ainda não. Muita gente tem me falado muito bem do filme. Estou louco para ver. Essa é uma das coisas que quero fazer quando voltar à Itália, já que "Central do Brasil" também está sendo exibido por lá.


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