São Paulo, domingo, 05 de março de 2006

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Convidado para dar cara nova à festa, o humorista Jon Stewart leva piada a sério e não poupa Bush

A política do Oscar

LUCIANA COELHO
DA REPORTAGEM LOCAL

De apresentador novo e com uma lista atípica de filmes indicados, não é só uma injeção de ânimo que a cerimônia do Oscar recebe nesta noite. É de política. Hoje Hollywood enterra de vez o fantasma do 11 de Setembro, que nos últimos quatro anos tomou a indústria cinematográfica americana e a levou a apelar para fantasias escapistas, evitando focar assuntos "delicados". Mais que caubóis gays, conflito israelo-palestino e libelos contra tentativas do governo de controlar a mídia, é a escolha do humorista Jon Stewart como apresentador que faz do Oscar deste ano o mais político dos últimos tempos. E George W. Bush que se cuide.
Diariamente à frente de um misto de "talk show" com sátira de noticiário, Stewart se viu catapultado ao sucesso depois da mordaz cobertura que fez da eleição presidencial de 2004 -quando pesquisas chegaram a apontar seu programa como principal fonte de informação política dos americanos de até 29 anos.
No ano passado, o humorista foi apontado como uma das "100 pessoas mais influentes" pela revista "Time". Isso tudo bem longe de uma grande rede de TV -seu "Daily Show" é exibido por um pequeno canal a cabo, a Comedy Central. (No Brasil, vai ao ar pela CNN nas noites de sexta-feira).
"Como espectador de carteirinha do Oscar, fiquei meio decepcionado com a escolha", disse o comediante ao ser indagado sobre sua reação ao saber que seria o principal anfitrião no palco do Kodak Theatre, em Los Angeles.
A grande pergunta é se Stewart conseguirá agradar aos telespectadores estrangeiros, já que o Oscar é uma cerimônia, segundo seus organizadores, vista por 1 bilhão de pessoas no mundo todo.
Sem se conformar com a alienação política do americano médio, fez de seu alvo preferido a Casa Branca. A começar pela expressão aparvalhada de Bush durante entrevistas coletivas e debates, nada passa incólume pela língua afiada de Stewart. Para esta noite, pode-se esperar menções ao caos instaurado no Iraque e aos protestos que receberam Bush em sua visita à Índia. Os tiros de chumbo que o vice-presidente Dick Cheney andou disparando por engano em um colega de caça há algumas semanas e o primeiro Carnaval pós-furacão em Nova Orleans também são material tentador.

Rejuvenescimento
A chegada de Stewart é uma cartada mais alta para atrair espectadores jovens. O apresentador do "Daily Show" é popular na faixa dos "até 30 anos" -o que não ocorre com seus predecessores Billy Cristal e David Letterman, cujo auge foi nos anos 80.
A tentativa de rejuvenescimento já foi feita em 2005 com Chris Rock, ex-membro do humorístico "Saturday Night Live" e a voz da zebra da animação "Madagascar". Mas a performance de Rock, centrada em piadas anti-racistas, não agradou. Tampouco ajudou a brincadeira que ele fez sobre faltar fama ao ator Jude Law, um dos indicados, que acabou em bate-boca com o colega Sean Penn.
Embora o despudor de Stewart seja tão grande quanto o de Rock, ele vem respaldado por uma sagacidade consideravelmente maior.
Nascido em Nova Jersey, o comediante se formou em psicologia e tentou a sorte com shows de humor em teatros nova-iorquinos até chegar à MTV em 1993, onde apresentou por pouco tempo um "talk show". Após algumas incursões medíocres pelo cinema em filmes como "O Paizão" (1999), foi parar no "Daily Show", um programa elogiado pela crítica, mas então pouco conhecido.
Agora, com três Emmy (o "Oscar" da TV) de melhor programa de variedades na estante, é cotado para substituir David Letterman na CBS, um dos três grandes canais abertos dos EUA. Em entrevistas a respeito, diz temer que o trabalho em uma grande TV comercial lhe tire a liberdade.
Que o Oscar não faça o mesmo.


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