São Paulo, quinta-feira, 05 de março de 2009

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COMIDA

Primavera em Tóquio

Na estação das flores, crítico prova gônadas de bacalhau e brotos de plantas que mal despontaram em visita a Kyoto e à capital japonesa, onde ocorreu o Tokyo Taste

JOSIMAR MELO
ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO

Enquanto a Espanha leva o cetro de melhor gastronomia do momento, a França luta para recuperar seu prestígio e vários países modernizam suas cozinhas, fica no ar a pergunta, lançada desde que, em 2008, a primeira edição do "Michelin" japonês tornou Tóquio a cidade mais estrelada do mundo: onde fica o Japão nisso tudo?
A participação no Tokyo Taste, ocorrido no mês passado, e uma esticada pela capital japonesa e por Kyoto foram oportunidades de constatar o estágio atual da gastronomia do país e desvendar certas contradições.
Começa pelo evento, que levou a Tóquio pesos pesados da gastronomia, entre eles os dois consultores do festival -o espanhol Ferran Adrià e o francês Joël Robuchon. Com eles, estavam o francês Pierre Gagnaire, o britânico Heston Blumenthal, os espanhóis Arzak e Andoni e os japoneses Seiji Yamamoto e Yoshihiro Narisawa. O estranho não é a presença de tantas estrelas, mas sim o fato de ser o primeiro evento dessa envergadura no país, algo curioso se considerarmos que iniciativas assim vêm acontecendo há muitos anos em vários países, Brasil inclusive. Aparentemente, os japoneses também nesta área vinham adotando um isolamento que é parte recorrente de sua história.
A participação nas aulas do Tokyo Taste e a visita aos restaurantes do país mostraram que tal isolamento só poderia ser artificial, uma vez que a cozinha japonesa está entre as melhores do mundo. Além do que, grandes chefs de fora declararam influências vindas do Japão. Adrià abismou o mundo, há 15 anos, com suas espumas quentes, o que conseguiu ao descobrir as propriedades de um tradicional ingrediente japonês, a alga agar-agar. Robuchon, que tem um restaurante de alto luxo no Japão, também prestou tributo às técnicas locais ao mostrar um aparelho de fazer o "ovo perfeito" (cozido a baixas temperaturas, obtendo consistências impecáveis) -pois este tipo de ovo já se fazia no Japão (sem o aparelho) antes mesmo de o chef nascer.
Menu-degustação da nouvelle cuisine francesa? Bem antes dos anos 1970 na França o kaiseki (refeição que traz sequência de pequenos pratos, cada um com uma técnica e ingredientes da estação) já era de lei em Kyoto. E aquilo que é proclamado como vital na boa cozinha, a qualidade do ingrediente, para a gastronomia japonesa é a base há tempos, como demonstra o impressionante mercado de peixe de Tóquio.
Perigo para o bolso
A visita a alguns dos restaurantes de maior prestígio, se é um atentado às finanças familiares (fácil deixar R$ 500 por pessoa), é também uma aula de uso de produtos, de manejo de técnicas, de bela apresentação. Em minha viagem, a primavera se anunciava no Japão. Então, dá-lhe tudo o que é peixe, legume ou raiz que começava a dar as caras. De brotinhos de plantas que mal despontam do degelo do monte Fuji a gônadas (bolsas de sêmen) de bacalhaus. De fígado do peixe porquinho (ou do letal fugu) a peixes raros dos lagos da região.
De folhas de crisântemo a brotos de bambu colhidos debaixo da terra. Sem falar de sushi de peixe maturado. As boas casas são especializadas. Só servem sushi, ou tempura, ou porco empanado, ou kaiseki. A comida de rua é mais simples e barata, mas, também ali, cada um tem sua praia. Tive a sorte de contar com indicações e companhia de duas fontes preciosas: Yumiko Inukai, a principal crítica gastronômica do país, e Mari Hirata, chef brasileira radicada há anos ali. Yumiko aconselhou fugirmos do sushi mais estrelado pelo "Michelin", o Jiro, e conhecermos o low-profile Sushi Shu: mais barato (ainda assim, R$ 450 por pessoa) e inesquecível.
Mari explicou com entusiasmo cada prato e nos guiou em restaurantes em Tóquio, como o moderno Les Créations de Narisawa (cujo chef nos serviu sopa com terra e carne com crosta de cinzas de negui, o cebolão japonês), e em Kyoto nos apresentou o delicioso e barato kaiseki do Giro Giro.
Pode ser que você não tenha tão eficiente companhia quando for ao Japão, mas pode aproveitar as indicações delas (leia abaixo), que incluem locais que não tive tempo de ir. Quem sabe você tenha mais sorte...

O crítico JOSIMAR MELO viajou a convite do festival Tokyo Taste


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