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COMIDA
Primavera em Tóquio
Na estação das flores, crítico prova gônadas
de bacalhau e
brotos de plantas que mal despontaram em visita a Kyoto e à capital japonesa, onde ocorreu o Tokyo Taste
JOSIMAR MELO
ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO
Enquanto a Espanha leva o
cetro de melhor gastronomia
do momento, a França luta para recuperar seu prestígio e vários países modernizam suas
cozinhas, fica no ar a pergunta,
lançada desde que, em 2008, a
primeira edição do "Michelin"
japonês tornou Tóquio a cidade
mais estrelada do mundo: onde
fica o Japão nisso tudo?
A participação no Tokyo Taste, ocorrido no mês passado, e
uma esticada pela capital japonesa e por Kyoto foram oportunidades de constatar o estágio
atual da gastronomia do país e
desvendar certas contradições.
Começa pelo evento, que levou a Tóquio pesos pesados da
gastronomia, entre eles os dois
consultores do festival -o espanhol Ferran Adrià e o francês
Joël Robuchon. Com eles, estavam o francês Pierre Gagnaire,
o britânico Heston Blumenthal, os espanhóis Arzak e Andoni e os japoneses Seiji Yamamoto e Yoshihiro Narisawa.
O estranho não é a presença
de tantas estrelas, mas sim o fato de ser o primeiro evento dessa envergadura no país, algo curioso se considerarmos que iniciativas assim vêm acontecendo há muitos anos em vários
países, Brasil inclusive. Aparentemente, os japoneses também nesta área vinham adotando um isolamento que é parte
recorrente de sua história.
A participação nas aulas do
Tokyo Taste e a visita aos restaurantes do país mostraram
que tal isolamento só poderia
ser artificial, uma vez que a cozinha japonesa está entre as
melhores do mundo. Além do
que, grandes chefs de fora declararam influências vindas do
Japão. Adrià abismou o mundo,
há 15 anos, com suas espumas
quentes, o que conseguiu ao
descobrir as propriedades de
um tradicional ingrediente japonês, a alga agar-agar. Robuchon, que tem um restaurante
de alto luxo no Japão, também
prestou tributo às técnicas locais ao mostrar um aparelho de
fazer o "ovo perfeito" (cozido a
baixas temperaturas, obtendo
consistências impecáveis)
-pois este tipo de ovo já se fazia no Japão (sem o aparelho)
antes mesmo de o chef nascer.
Menu-degustação da nouvelle cuisine francesa? Bem antes
dos anos 1970 na França o kaiseki (refeição que traz sequência de pequenos pratos, cada
um com uma técnica e ingredientes da estação) já era de lei
em Kyoto. E aquilo que é proclamado como vital na boa cozinha, a qualidade do ingrediente, para a gastronomia japonesa é a base há tempos, como demonstra o impressionante mercado de peixe de Tóquio.
Perigo para o bolso
A visita a alguns dos restaurantes de maior prestígio, se é
um atentado às finanças familiares (fácil deixar R$ 500 por
pessoa), é também uma aula de
uso de produtos, de manejo de
técnicas, de bela apresentação.
Em minha viagem, a primavera se anunciava no Japão.
Então, dá-lhe tudo o que é peixe, legume ou raiz que começava a dar as caras. De brotinhos
de plantas que mal despontam
do degelo do monte Fuji a gônadas (bolsas de sêmen) de bacalhaus. De fígado do peixe porquinho (ou do letal fugu) a peixes raros dos lagos da região.
De folhas de crisântemo a brotos de bambu colhidos debaixo
da terra. Sem falar de sushi de
peixe maturado.
As boas casas são especializadas. Só servem sushi, ou tempura, ou porco empanado, ou
kaiseki. A comida de rua é mais
simples e barata, mas, também
ali, cada um tem sua praia.
Tive a sorte de contar com indicações e companhia de duas
fontes preciosas: Yumiko Inukai, a principal crítica gastronômica do país, e Mari Hirata,
chef brasileira radicada há anos
ali. Yumiko aconselhou fugirmos do sushi mais estrelado
pelo "Michelin", o Jiro, e conhecermos o low-profile Sushi
Shu: mais barato (ainda assim,
R$ 450 por pessoa) e inesquecível.
Mari explicou com entusiasmo cada prato e nos guiou
em restaurantes em Tóquio,
como o moderno Les Créations
de Narisawa (cujo chef nos serviu sopa com terra e carne com
crosta de cinzas de negui, o cebolão japonês), e em Kyoto nos
apresentou o delicioso e barato
kaiseki do Giro Giro.
Pode ser que você não tenha
tão eficiente companhia quando for ao Japão, mas pode aproveitar as indicações delas (leia
abaixo), que incluem locais que
não tive tempo de ir. Quem sabe você tenha mais sorte...
O crítico JOSIMAR MELO viajou a convite do
festival Tokyo Taste
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