São Paulo, quarta-feira, 05 de abril de 2006

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Festival sul-africano reflete jazz global

CARLOS CALADO
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO CABO

Num auditório, sentado, o público escutava sofisticadas versões de clássicos do jazz interpretados pelo Quartet West, o grupo que o contrabaixista norte-americano Charlie Haden lidera há duas décadas. Lá fora, ao ar livre, uma platéia bem maior dançava e cantava ao som de ritmos africanos recriados pelo veterano cantor e compositor Caiphus Semenya.
Assim terminou, na madrugada do último domingo, a sétima edição do Cape Town International Jazz Festival -evento que reuniu durante três noites, na Cidade do Cabo, 40 atrações de diversos gêneros musicais, com ênfase naqueles mais influenciados pelo jazz ou pela rítmica africana.
A imagem proporcionada pelas apresentações simultâneas de Haden e Semenya é reveladora da nova ordem mundial que se instalou no jazz a partir da década de 80: hoje já não são mais os norte-americanos que comandam as inovações e transformações nesse globalizado gênero musical.
"Parece que a cultura dos Estados Unidos está paralisada", admitiu Haden. "Isso é muito triste porque a juventude mundial é muito influenciada pelo que se faz nos EUA. E os jovens não pensam mais, não são mais receptivos à musica clássica, por exemplo."
Protagonista de outro concerto bastante aplaudido no sábado, que incluiu uma bela versão abolerada da clássica "You Don't Know What Love Is", o pianista cubano Chucho Valdés, também falou sobre a globalização do jazz.
"O jazz já se internacionalizou e deixou de ser um patrimônio norte-americano. Os polacos fazem coisas tremendas, assim como os húngaros e os russos. E, da mesma forma que Cuba, o Brasil é uma das fontes mais importantes da música atual", comentou.
Conhecida no Brasil apenas pelo hit "Phatha Phatha", a cantora sul-africana Miriam Makeba é um ídolo nacional em seu país. Não à toa, sua apresentação no último sábado foi assistida por quase 10 mil pessoas -a mais disputada.
"Estou cansada. Tenho 74 anos e trabalho há muito tempo. Quero parar porque meu corpo já não agüenta mais", disse ela, em entrevista coletiva, horas antes do show anunciado como o último da turnê de encerramento oficial de sua carreira.
Criado a partir do formato do holandês North Sea Jazz Festival, o festival da Cidade do Cabo utiliza cinco palcos simultâneos. E provou neste ano que não deve nada em estrutura e qualidade artística a eventos similares, como o suíço Montreux Jazz ou o extinto brasileiro Free Jazz. Bem organizado, o evento sul-africano não deixa de incluir em sua programação nomes de expressão na cena internacional do jazz, como o trompetista americano Terence Blanchard. Mas o que diferencia o Cape South Jazz Festival de seus similares é justamente o elenco com 50% de artistas africanos e 50% de outros países. Assim, além de exibir artistas de talento que não freqüentam o circuito principal, como a cantora sueca Viktoria Tolstoy, o evento ofereceu uma panorâmica musical do que se faz nesse país.
Além de Caiphus Semenya, também chamou a atenção o saxofonista moçambicano Moreira Chonguiça, que funde ritmos locais com grooves do jazz contemporâneo. Ou ainda duas estrelas sul-africanas: Tina Schouw, que combina em seu repertório composições próprias com standards do jazz, e Thandiswa, que mistura ritmos afros com o gospel e o soul.


O crítico musical Carlos Calado viajou a convite da South Africa Airlines

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