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Bandeira inédito
Com temas que variam de política a concurso de miss, volume reúne 113 crônicas escritas entre 1920 e 1931 para jornais e revistas, nunca publicadas em livro
MATINAS SUZUKI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA
Foto da iconografia de Manuel Bandeira, dos proprietários dos direitos de imagem de Manuel Bandeira
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O autor pernambucano em foto sem data: "Não tenho dinheiro nem paciência nem gosto para me editar a mim próprio"
O poeta Manuel Bandeira
(1886-1968) vivia de prosa. Faltavam editores, tiragens e, às vezes, até papel para os seus livros
de poesia.
No texto que inaugura a caprichada coletânea de suas 113 crônicas, despertas pela Cosac
Naify de um sono octogenário,
ele conta que o economista e
poeta Castro Meneses pagou o
papel do seu segundo livro de
poemas, "Carnaval", de 1919.
Alguns anos depois, em 1923,
aguardando a resposta de Monteiro Lobato para uma eventual
edição de "Poesias", ele confessa
em carta a Mário de Andrade:
"Se o Lobato desistir de editar-me, não aparecerei mais a público senão em revistas: não tenho
dinheiro nem paciência nem
gosto para me editar a mim próprio".
"Quem chega de Paris,
espera-se que venha
cheio de Paris. Entretanto, Villa-Lobos chegou de lá cheio de Villa-Lobos."
(crônica de 1924)
O poeta e tradutor Julio Castañon Guimarães é um perseguidor de Manuel Bandeira por
folhas de jornais esfarelando,
páginas rasgadas de revistas e
microfilmes de leitura desconfortável. Até um pouco mais do
que isso: ele passa dias tentando
recompor quais foram as palavras do publicista uruguaio J.L.
que uma dobra quase centenária
no papel apagou, ou se o "epidêmico" que se lê na página de "A
Província", na verdade, não se
trataria de um erro de composição, pois no original deveria estar "epidérmico".
Pesquisador na área de filologia da Fundação Casa de Rui
Barbosa, Castañon devolve ao
mundo, com a reunião destes
inéditos, uma visão mais integral do Bandeira entre os 34 e 45
anos, período em que morou na
Rua do Curvelo, no alto de Santa
Teresa, "a dez minutos do centro" do Rio. Nesta época, no dizer do vizinho (e também poeta)
Ribeiro Couto, "vi-o sair da sua
casca de enfermo céptico e ressabiado para o rumor da rua, a
agitação cá de fora".
"A imagem do Bandeira ligado
aos sambistas, por causa da crônica sobre o enterro do Sinhô, e
próximo da boemia carioca, não
é propriamente exata", diz Castañon, que pesquisa "alternadamente" o poeta desde 1986. "Ele
era um cara bem preparado para
lidar com tudo, era muito culto,
tinha uma visão abrangente. Seu
grande interlocutor era o Mário
de Andrade (o personagem mais
citado nestas crônicas)".
"Fui todo o caminho
pensando que Machado de Assis havia de formular a respeito do ato
de meu pai uma filosofiazinha desagradável.
Eu só de imaginar nisso,
tinha vontade de bater
em Machado de Assis."
(crônica de 1930)
As 37 fotos e fac-símiles que
ilustram "Crônicas Inéditas I
(1920-1931)", além de pegar a
imaginação do leitor pelas mãos
e levá-la a um passeio pelos anos
20, dão também uma quentura,
uma espécie de resgate da sensação de se ler a crônica no jornal,
o que torna o livro mais acolhedor.
"Para garantir a qualidade das
imagens, nós contratamos até
um ótimo fotógrafo, o Vicente
de Melo, só para fazer as reproduções", diz Paulo Werneck, que
coordena a edição dos livros de
Bandeira ao lado do presidente
da Cosac Naify, Augusto Massi.
O volume traz, nos créditos, o
nome de 14 pessoas envolvidas
diretamente em sua produção.
"Levamos um ano e meio trabalhando nesta edição", diz
Werneck, um dos destaques da
nova geração de editores no
país. A Cosac está transferindo
sua expertise em fazer livros de
arte para os livros de literatura.
"Passa um lindo rapaz
que a assistência aclama de miss Brasil."
(crônica de 1929)
"O arco de interesses do Bandeira é o dos leitores da Cosac.
Com isso, nós estamos ampliando o seu público", diz
Massi. A venda de 4.500 cópias
do outro livro de textos do poeta, "Crônicas da Província do
Brasil", lançado em 2006, dá
segurança para imprimir 7.000
exemplares destes inéditos.
"Nossos livros com capa dura, inovação gráfica, pesquisa
de fotos etc., mas, sobretudo,
com muito cuidado editorial,
criaram um "público Cosac".
Além dos leitores regulares de
literatura e do Bandeira, dos estudantes e professores, nós
acrescentamos arquitetos, designers, fotógrafos, jovens e
pessoas que gostam de dar um
presente marcante", explica.
A editora vai lançar toda a
prosa do poeta -e já fez dois
volumes de sua poesia: "Nós
chegamos atrasados aos grandes escritores brasileiros e o
Bandeira era a uma chance que
não poderíamos perder".
"Nascer com vocação
de pintor em Pajeú de
Flores deve ser um tormento tão duro quanto
viver desempregado
em Niterói e apaixonar-se por Greta Garbo."
(crônica de 1928)
MATINAS SUZUKI JR. é jornalista
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