São Paulo, sábado, 05 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"Crônicas Inéditas I - Manuel Bandeira"

Textos exibem estilo franco e cansaço do modernismo

Ao registrar costumes cariocas, crônicas documentam a nossa história cultural

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

O tom é de conversa, os assuntos são variados e corriqueiros. Mas para quem espera um tipo de prosa mais lírica e subjetiva, a maioria destas "crônicas inéditas" de Manuel Bandeira apresenta um estilo surpreendentemente seco, quase "noticioso".
No começo do livro, isto é, nas suas primeiras cem páginas mais ou menos, predominam os registros muito rápidos sobre a vida musical carioca, que Manuel Bandeira escrevia para a revista paulistana "Ariel", na década de 20.
Embora gostasse de se aventurar no violão, Bandeira não se considerava qualificado para fazer crítica de música, e sua atividade nessa área é mais a de dar conta da agenda de concertos, que aliás não era pequena, da então capital federal. Já se tocava bastante Debussy, Scriabin e Ravel nas salas de concerto do Rio. Bandeira não se conformava, entretanto, com a ausência de obras de Stravinsky na programação.

Mais Villa do que Mário
Curiosamente, a militância propriamente "modernista" na sua obra jornalística é bem mais intensa na música e no urbanismo do que na literatura. O apoio de Bandeira a Villa-Lobos é mais entusiástico do que o dedicado a seu amigo Mário de Andrade, temperado de algumas restrições. Em pintura, o poeta concentra seu empenho de divulgação na figura de Cícero Dias, e duvida um pouco de Picasso.
Bandeira sugere estar cansado do "modernismo" iconoclasta (a Semana de 22 não merece nenhum texto dele). E seu gosto pela arte popular é dos mais reduzidos. Não tem medo de apontar, por exemplo, a caceteação do bumba-meu-boi.
Certa franqueza áspera, alheia à amenidade típica do gênero, está presente em muitas crônicas. O vocabulário de Bandeira, convencional nos textos de "Ariel", solta-se bastante nas colaborações, melhores e mais variadas, para "A Província" de Recife e para o "Diário Nacional" de São Paulo.
"A frente única do modernismo se desmantelou", diz o poeta em texto de 1930; "muita gente achou que era pena e eu não, que afinal essa história de grupo acaba sempre em veadagem".
Por falar nisso, a crônica dos costumes cariocas rende muitas surpresas ao leitor. Bandeira descreve um baile gay no Carnaval de 1929, e também o uso de caminhões com geradores de eletricidade nos desfiles dos blocos carnavalescos. O concurso de miss Brasil e a revolução de 30, a origem do termo "viúva" para se referir às finanças do Estado e a influência do futebol no nosso vocabulário (Bandeira cita, ainda fresca do inglês, a expressão "shootar a goal") fazem do livro um documento extraordinário do ponto de vista da nossa história cultural.
É isso, sem contar as maravilhosas ilustrações do livro, que torna preciosas essas "Crônicas Inéditas" -bem mais do que a contribuição que trazem para o conhecimento da obra poética de Bandeira. As relações entre as crônicas e os poemas do autor são, de todo modo, esclarecidas por Júlio Castañon Guimarães no posfácio algo atravancado que encerra seu admirável trabalho de pesquisa para este volume.


CRÔNICAS INÉDITAS I - MANUEL BANDEIRA
Organização:
Júlio Castañon Guimarães
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 65 (440 págs.)
Avaliação: ótimo


Texto Anterior: Bandeira inédito
Próximo Texto: Crônica
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.