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Crítica/"Crônicas Inéditas I - Manuel Bandeira"
Textos exibem estilo franco e cansaço do modernismo
Ao registrar costumes cariocas, crônicas documentam a nossa história cultural
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
O tom é de conversa, os
assuntos são variados e
corriqueiros. Mas para
quem espera um tipo de prosa
mais lírica e subjetiva, a maioria destas "crônicas inéditas"
de Manuel Bandeira apresenta
um estilo surpreendentemente
seco, quase "noticioso".
No começo do livro, isto é,
nas suas primeiras cem páginas
mais ou menos, predominam
os registros muito rápidos sobre a vida musical carioca, que
Manuel Bandeira escrevia para
a revista paulistana "Ariel", na
década de 20.
Embora gostasse de se aventurar no violão, Bandeira não se
considerava qualificado para
fazer crítica de música, e sua
atividade nessa área é mais a de
dar conta da agenda de concertos, que aliás não era pequena,
da então capital federal. Já se
tocava bastante Debussy,
Scriabin e Ravel nas salas de
concerto do Rio. Bandeira não
se conformava, entretanto,
com a ausência de obras de
Stravinsky na programação.
Mais Villa do que Mário
Curiosamente, a militância
propriamente "modernista" na
sua obra jornalística é bem
mais intensa na música e no urbanismo do que na literatura. O
apoio de Bandeira a Villa-Lobos é mais entusiástico do que o
dedicado a seu amigo Mário de
Andrade, temperado de algumas restrições. Em pintura, o
poeta concentra seu empenho
de divulgação na figura de Cícero Dias, e duvida um pouco de
Picasso.
Bandeira sugere estar cansado do "modernismo" iconoclasta (a Semana de 22 não merece nenhum texto dele). E seu
gosto pela arte popular é dos
mais reduzidos. Não tem medo
de apontar, por exemplo, a caceteação do bumba-meu-boi.
Certa franqueza áspera,
alheia à amenidade típica do
gênero, está presente em muitas crônicas. O vocabulário de
Bandeira, convencional nos
textos de "Ariel", solta-se bastante nas colaborações, melhores e mais variadas, para "A
Província" de Recife e para o
"Diário Nacional" de São Paulo.
"A frente única do modernismo se desmantelou", diz o poeta em texto de 1930; "muita
gente achou que era pena e eu
não, que afinal essa história de
grupo acaba sempre em veadagem".
Por falar nisso, a crônica dos
costumes cariocas rende muitas surpresas ao leitor. Bandeira descreve um baile gay no
Carnaval de 1929, e também o
uso de caminhões com geradores de eletricidade nos desfiles
dos blocos carnavalescos. O
concurso de miss Brasil e a revolução de 30, a origem do termo "viúva" para se referir às finanças do Estado e a influência
do futebol no nosso vocabulário (Bandeira cita, ainda fresca
do inglês, a expressão "shootar
a goal") fazem do livro um documento extraordinário do
ponto de vista da nossa história
cultural.
É isso, sem contar as maravilhosas ilustrações do livro, que
torna preciosas essas "Crônicas
Inéditas" -bem mais do que a
contribuição que trazem para o
conhecimento da obra poética
de Bandeira. As relações entre
as crônicas e os poemas do autor são, de todo modo, esclarecidas por Júlio Castañon Guimarães no posfácio algo atravancado que encerra seu admirável trabalho de pesquisa para
este volume.
CRÔNICAS INÉDITAS I - MANUEL BANDEIRA
Organização: Júlio Castañon Guimarães
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 65 (440 págs.)
Avaliação: ótimo
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