São Paulo, quarta-feira, 05 de maio de 2004

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LITERATURA

"Tarsilinha" pinta em livro retrato inédito da modernista "Tarsilona"

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Todos os dias de manhã, Tarsila do Amaral pega seu carro e enfrenta o trânsito até a Hípica Paulista, para dar suas aulas de equitação. Nos últimos tempos, essa rotina entre pôneis e cavalos foi atravessada ao meio por fotos velhas, diários empoeirados, muitas telas, pincéis e latas de tintas.
Tarsila do Amaral é péssima em desenhos e pinturas -da última vez que tentou rabiscar um patinho para a sobrinha, a garota disse que era um "auau". Mas acaba de botar no papel um complexo retrato de... Tarsila do Amaral.
Com 39 anos, a campeã de equitação, dona do haras Abaporu e sobrinha-neta da artista modernista, que viveu de 1897 a 1973, lança na próxima segunda o livro "Tarsila por Tarsila", obra que fez sobre a parente homônima.
Livro de arte, fartamente ilustrado, com muitas imagens inéditas, essa "biografia familiar" da Tarsilona pela Tarsilinha (como a sobrinha-neta da artista é chamada entre os Amaral) começou a ser trabalhada há cinco anos.
"Percebi que havia um interesse crescente sobre ela. Primeiro a venda milionária do "Abapuru", em 1995, depois uma megaexposição na galeria do Sesi, aí a Bienal de São Paulo de 1998, sobre a antropofagia", enumera Tarsilinha.
Mesmo sem grande familiaridade com as letras ou as tintas, a amazona resolveu pular a longa fileira de obstáculos. Orientada pelo escritor e jornalista Jorge Caldeira, autor de diversas biografias, ela começou a entrevistar longamente os familiares que tiveram mais contato com Tarsila e enfiar o nariz nos arquivos.
De uma de suas tias, Helena, sobrinha próxima de Tarsila, recebeu pistas importantes -e, como presente de aniversário, a agenda de telefones da artista. Um trecho do caderninho telefônico da pintora, reproduzido no livro, mostra: "Annita Malfatti - Rio 5 2014". Em outro pedaço, ainda na letra "a", é possível ver "Appolinaire (mme. Guillaume)", e o endereço do mítico poeta francês no boulevard Saint Germain.
Não são as únicas novidades da "biografia familiar", publicada pela editora Celebris. Nele estão reproduzidas obras inéditas ou pouco (e mal) exibidas de Tarsila, como o primeiro óleo da artista, o acadêmico "Sagrado Coração de Jesus" (1904), a pintura que ela fez de sua única neta, Beatriz, morta tragicamente aos 13 anos, afogada, e uma escultura elaborada para o túmulo da mesma menina.
Além das diversas fotografias, antes coladas em álbuns que estavam com a família, "Tarsila por Tarsila" também tem colaborações da faceta menos lembrada da artista, a de escritora/cronista.
Seu belo texto "Rainha do Sabá", publicado no jornal "Diário de S. Paulo", em 1946, por exemplo, é reproduzido na íntegra.
Mas Tarsilinha diz que o inédito, novo e exclusivo não era o foco de seu livro. "O trabalho de Aracy Amaral sobre ela é imbatível, incontestável. A minha idéia era apenas contar a história da Tarsila com linguagem mais simples."
Além dessa "biografia simplificada", das novidades, das ilustrações, há também pitadas de pimenta em "Tarsila por Tarsila". Uma delas, crava Tarsilinha, é: "Minha família odeia Oswald" -e Oswald é, claro, Oswald de Andrade, que fez o "casal 20 modernista" com a artista e dela se separou para ficar com Pagu. Outras farpas vão em direção ao criador do Masp, Pietro Maria Bardi: "Ele também não tinha muitos escrúpulos. Falava que ia fazer Museu Tarsila, pegava com ela um monte de coisas, aí vendia sem consultá-la".
Não é para fazer intrigas, porém, que a agora autora lançou "Tarsila por Tarsila", livro prefaciado por Maria Adelaide Amaral (autora de "Um Só Coração" e da peça "Tarsila", recém-publicada pela editora Globo). "Só quero fazer Tarsila um pouco mais viva", diz Tarsila do Amaral, a vivíssima.


TARSILA POR TARSILA. Autor: Tarsila do Amaral. Editora: Celebris. Quanto: R$ 65 (193 págs.). Lançamento: segunda-feira, às 19h. Onde: livraria Cultura - shopping Villa-Lobos (av. das Nações Unidas, 4.777, SP, tel. 0/xx/11/3024-3599).


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