São Paulo, sábado, 05 de maio de 2007

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Crítica/história

Narrativas da Segunda Guerra retomam foco em personagens

Lançamentos analisam o conflito através dos indivíduos que detinham o poder

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Dezenas de milhões de pessoas lutaram, milhões morreram entre 1939 e 1945, mas grande parte dessa tragédia foi responsabilidade de meia dúzia de líderes político-militares. Três livros agora editados no Brasil dão nova força à historiografia dos grandes personagens da Segunda Guerra Mundial.
Os mesmos personagens fundamentais freqüentam suas páginas: o ditador alemão (nascido na Áustria) Adolf Hitler (1889-1945); o ditador russo-soviético (nascido na Geórgia) Josef Stálin (1878-1953); os presidentes americanos Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) e Harry S. Truman (1884-1972); e os primeiros-ministros britânicos Winston Churchill (1874-1965) e Clement Richard Attlee (1883-1967).
História tem moda, e a da maior guerra da história humana certamente não está imune, já que tem gente escrevendo sobre ela faz mais de 60 anos. O marxismo, esse velho ópio dos intelectuais, na feliz expressão do francês Raymond Aron, tenta explicar tudo pela luta de classes, por movimentos sociais anônimos e tectônicos. Onde ficariam os indivíduos?
Bem, um deles era o supostamente marxista Stálin, que tinha um poder de influenciar a história bem acima daquele do mortal comum. No caso deste velho ditador bigodudo, quase sempre para o mal.
Lukacs nasceu na Hungria e se radicou nos EUA. É católico, conservador e bom historiador atento aos fatos -rato de biblioteca e de arquivo. Seu estilo é, de longe, o melhor desta trinca de livros. Não tem papas na língua. Usa e abusa de adjetivos para descrever personagens históricos -fulano é "desprezível" ou "bobo", por exemplo. Tem grande admiração por Churchill, a quem considera -com toda razão- o maior estadista do século que passou.
Ele deplora o populismo, tanto do nazismo como do comunismo. Pisa no calo da esquerda e da direita convencionais ao descrever a curiosa relação entre os dois piores ditadores do século 20, o nacional-socialista e o comunista.

Pacto de não-agressão
Hitler e Stálin fizeram um pacto de não-agressão em agosto de 1939 que caiu como uma bomba na esquerda mundial, que, de um minuto para outro, teve que tratar como aliado o sujeito que era seu principal objeto de ódio.
Stálin confiou cegamente no colega ditador. Não ouviu nenhuma das muitas cassandras que mostravam que Hitler atacaria a União Soviética em 22 de junho de 1941. Lukacs tenta explicar esse mistério.
Não há dúvida de que, sozinho, o Reino Unido não teria como vencer a guerra. Churchill ansiava para que os EUA e a URSS entrassem no conflito. Quando os japoneses atacaram a base americana de Pearl Harbor, no Havaí, o velho primeiro-ministro suspirou aliviado: "ganhamos a guerra".
Obviamente, seriam necessários mais quatro anos para que o poder econômico dos EUA e da URSS se traduzisse em poder militar para conseguir a vitória.

Churchill e Roosevelt
Primeiro o britânico teve que criar uma relação pessoal com seu colega do outro lado do Atlântico. Churchill e Roosevelt se encontraram pessoalmente nove vezes durante a guerra.
A primeira vez, em agosto de 1941, a bordo de navios de guerra ao largo do Canadá. A segunda vez aconteceu no dezembro seguinte, logo depois de Pearl Harbor, tema do livro de Bercuson e Herwig, pesquisadores do Canadá (Herwig, nascido na Alemanha).
O foco em momentos precisos permite examinar a discussão da estratégia militar. Certos fatos são notórios. Os americanos preferiam uma estratégia direta, atacando a Alemanha pelo caminho mais reto, com todo o poder concentrado.
Os britânicos -fruto da sua história de potência naval sem exército numeroso e também da sua fraqueza na guerra-, preferiam estratégias indiretas. A frase clássica de Churchill era "atacar o ventre mole do Eixo" - isto é, no Mediterrâneo, notadamente a extremamente incompetente Itália (em termos militares). O livro da dupla é uma boa introdução para o que ocorreu depois.

Conferência de Potsdam
Já o livro mais antigo, de 1975, de Charles Mee, procura entender o pós-guerra com base na conferência de Potsdam entre os "três grandes". A Alemanha já estava derrotada, faltava tirar o Japão da guerra. Durante a conferência, o presidente americano Harry Truman -que substituíra Roosevelt, morto fazia pouco- soube do sucesso do primeiro teste de bomba atômica.
Outra bomba foi a derrota de Churchill para o trabalhista Attlee em eleição. A conferência tinha então dois aliados ocidentais novatos em lidar com Stálin, e isso ajudou a moldar a nascente Guerra Fria.
Os livros têm as tradicionais imprecisões de tradução de termos militares. O de Lukacs tem até um curioso "plano mensageiro". O tradutor ligou o piloto automático e verteu "messenger plane" deste modo, em vez do correto "avião mensageiro".


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