São Paulo, quinta-feira, 05 de maio de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Cenário dispersivo de novo DeLillo oculta ideias de consciência

Em "Ponto Ômega", autor recupera conceito do jesuíta Teilhard, mas derrapa em superficialidade intelectual

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O título de "Ponto Ômega", do nova-iorquino Don DeLillo, se refere a um conceito formulado pelo jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) em seu "O Fenômeno Humano", que suscitou controvérsia entre católicos, atrasando seu lançamento até sua morte.
Chardin defendia que a evolução espiritual seguia as leis da evolução material, de tal modo que os processos energéticos e amorosos gerariam um mesmo aprofundamento unificador da consciência. Este tenderia ao ponto ômega, lugar de integração coletiva no corpo cósmico e "pessoal" do Universo.
Essas ideias não são explicadas no romance: aparecem como frases soltas, enunciados obscuros que o narrador acentua não entender.
De fato, são dois narradores de duas séries narrativas distintas: a primeira tem apenas dois capítulos, ao início e ao fim do livro. Escritos em terceira pessoa, eles descrevem a obsessão de um visitante pela instalação "24 Hour Psycho" (1993), do artista escocês Douglas Gordon, realmente exibida no Museu de Arte Moderna de Nova York em 2006.
A instalação se reduz a rodar "Psicose" (1960), de Alfred Hitchcock, em câmera lenta, de maneira que o filme completo dure 24 horas.
A desconstrução do movimento, quase anulado pela dilação temporal, adquire sobrecarga analítica -um "acúmulo de consciência", para falar como Chardin- que dá a ver novas formas não perceptíveis na rodagem normal do filme (um pouco como ocorria no célebre caso da fotografia que revelava um crime em "Blow-Up", de 1966, de Antonioni).

MISTÉRIO PURO
A outra série narrativa se passa numa casa isolada, no deserto de Sonora ou do Mojave. Está narrada em primeira pessoa por um cineasta nos seus 30 anos, interessado em ouvir um velho intelectual que trabalhara durante dois anos no Pentágono e que agora se afasta para essa casa no meio do nada.
A antiga função do intelectual era, como diz, "conceitualizar" a guerra do Iraque, de forma a torná-la tão exata e planejada como um haicai.
Não está claro o que o cineasta deseja com as filmagens, talvez uma "confissão pública" ou uma "conversão no leito de morte". A certa altura, chega à casa uma filha do velho, com pouco mais de 20 anos, mandada ali pela mãe, preocupada em afastá-la da companhia do rapaz estranho com quem saía.
Nada parece se alterar, mas, quando se esboça um interesse do cineasta pela garota, ela desaparece, como um "mistério puro", como os devaneios do intelectual sobre o "ponto ômega".
A novela acentua certo clima de suspeita, não apenas da guerra, mas das relações familiares, artísticas, geopolíticas, religiosas, cósmicas -o qual, contudo, se dissipa também como clima.
A rigor, o que consegue é armar esses dois cenários interessantes, mas dispersivos e superficialmente intelectualizados, embora aleguem seguidamente ideias de concentração e consciência.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp.

PONTO ÔMEGA

AUTOR Don DeLillo
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Paulo Henriques Britto
QUANTO R$ 31 (104 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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