São Paulo, segunda-feira, 05 de junho de 2006

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Updike testa aventura em "Terrorist"

Autor de "As Bruxas de Eastwick" lança nos EUA livro protagonizado por jovem que se prepara para explodir túnel

Romancista experimenta gênero pela primeira vez, mas não abre mão de temáticas caras a ele, como religião, morte e sexo

CHARLES MCGRATH
DO "NEW YORK TIMES"

John Updike usa a internet com cautela, temeroso de que um vírus possa infectar seu computador. Recentemente, ele também se mostrou contrário à idéia de digitalizar todos os livros existentes e formar um grande banco de dados. Para seu novo romance, "Terrorist", no entanto, ele se aventurou pela web a fim de pesquisar sobre detonadores de bombas. Enquanto trabalhava no romance, Updike, 74, também correu o risco de despertar suspeitas ao se deter por muito tempo diante das máquinas que analisam malas no aeroporto La Guardia, onde descobriu que as imagens de raio-x não são em branco e preto, mas em verde e vermelho. E contratou um carro e um motorista que o levassem a alguns dos bairros menos nobres de Paterson (Nova Jersey) para ver igrejas e lojas que haviam virado mesquitas. "Terrorist" se passa em uma versão um pouco menor e mais ordenada de Paterson. O protagonista, Ahmad, 18, é filho de uma norte-americana hippie e de um estudante egípcio de intercâmbio; o jovem se converte ao islamismo e é recrutado para explodir o Lincoln Tunnel. O novo romance representa uma quebra de continuidade. Segue as convenções dos livros de aventura, uma das poucas formas que Updike ainda não tentou. No entanto, quando ele fala de "Terrorist", fica claro que o romance também se aproxima de temas e preocupações que caracterizam sua obra desde o começo: sexo, morte, religião, a escola de segundo grau e até mesmo Paterson. Updike, que confessou uma fobia amena a túneis, disse que a imagem de uma explosão havia sido a inspiração do livro. Originalmente, porém, ele desenhou o protagonista como um jovem cristão. "Imaginei um jovem seminarista que vê todas as pessoas como diabos tentando roubar-lhe a fé", disse. "O século 21 causa essa impressão para muita gente no mundo árabe." Quando Updike decidiu mudar a religião do protagonista, foi porque imaginou que tivesse algo a dizer do ponto de vista de um terrorista. "Creio que me senti capaz de compreender a animosidade e o ódio que um crente do islã poderia ter pelo nosso sistema." Ahmad é um jovem admirável. Os traços com que é descrito ganham vivacidade porque ele ocupa um dos mais familiares ambientes de Updike: a escola norte-americana. "Pode ser que, porque fui à escola e porque meu pai era professor, eu esteja imbuído de seu espírito", diz Updike. Enquanto trabalhava em "Terrorist", ele releu o Corão, que havia inicialmente folheado na escrita de "The Coup" [o golpe]. "Boa parte do Corão não fala com muita eloqüência a um ocidental. Muito do livro é ou jurídico demais ou expresso em poesia opaca." "Terrorist" traz algumas passagens do Corão, traduzidas diretamente do árabe por um pós-graduando. "Minha sensação era a de que era a língua de Deus e o fato de que eu não a compreendesse queriam dizer que eu não sabia sobre Deus." Enquanto espera o lançamento de "Terrorist", Updike está trabalhando em novo volume de suas obras completas. Quanto ao que virá a seguir, ele diz: "Em minha vida, sempre houve alguma coisa mais que eu podia fazer, mas só uma. Sempre me senti muito perto do fundo do barril a cada passo de minha carreira".


Tradução de Paulo Migliacci

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