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"Sou um desenhista de imprensa"
Às vésperas do lançamento da "Antologia Chiclete com Banana", Angeli confessa que gosta mesmo é de charge política
Cartunista detesta fazer caricatura e diz que charge ganha fôlego ao comentar a
cultura da corrupção, em vez de casos específicos
EDITOR DO FOLHATEEN
Após uma noite de sonhos
tempestuosos, Angeli acordou
e se viu metamorfoseado num
gigantesco inseto. Angeli não é
Gregor Samsa, mas o início absurdo do livro "A Metamorfose", de Franz Kafka, descreve
bem o espírito de um cartunista que se retrata, muitas vezes,
como uma barata no estúdio.
Um pequeno estúdio, de uns
10 m2, em seu apartamento
num belo prédio antigo de Higienópolis. É ali, sobre uma
prancheta, que ele fuma dois
maços de cigarro por dia. É ali
também que o cartunista de 50
anos, usando nanquim preto e
"papel vagabundo", rodeado de
livros e CDs de punk, tango e
jazz, faz sua tira diária para a
Ilustrada e a charge política da
página A2 da Folha, publicada
dia sim, dia não. Ali, ele recebeu a reportagem para a seguinte entrevista.
(IVAN FINOTTI)
FOLHA - Por que essa antologia?
ANGELI - A idéia é colocar uma
pá de cal. Estou meio cansado
já de responder pelo "Chiclete
com Banana". Às vezes, não tenho mais o que falar sobre o
que representou a revista. Cada
hora eu falo uma coisa, então
nem tenho mais certeza [risos].
FOLHA - A primeira edição teve Rê
Bordosa e Bob Cuspe para prefeito.
ANGELI - É. Aquela história do
Bob Cuspe no número 1 foi
mais ou menos a minha história de office-boy. É claro que
tem as mentiras necessárias
para transformar em história...
FOLHA - Quer dizer que você não
morava num esgoto?
ANGELI - Não morava num esgoto (risos). Mas morava na
beira do rio Tietê, por exemplo.
Nasci em 1956, 31 de agosto.
Virginiano é bom. É chato, meticuloso, crítico, detalhista e
bom. Acho que não teria feito o
que fiz se não fosse virginiano.
O "Chiclete" é um produto de
obsessão minha, do Toninho
também, mas principalmente
minha, com as dificuldades de
uma nova editora. Tudo são detalhes de virginiano.
FOLHA - Você lê horóscopo?
ANGELI - Dou uma olhadinha.
Acredito só quando está bom.
FOLHA - Você anda mais ligado em
charge política ou nas tiras?
ANGELI - Estou mais ligado às
charges políticas atualmente.
Eu sempre me classifiquei como um desenhista de humor,
não um de quadrinhos ou de
cartum. E fui percebendo que
cada vez mais me vejo como um
desenhista de imprensa. Não
um desenhista que vá fazer
uma "graphic novel" ou coisas
assim. Vivo dentro de imprensa, eu gosto. Tanto que estou
em jornal desde 1974, quando
tinha 17 anos. E, na charge, desde 1975. Parei de fazer charge
na Folha em 1983, a pedido
meu, porque estava querendo
desenvolver os personagens.
Queria criar uma seleção de
quadrinhos nacionais na Folha, e minha tira foi a primeira
a substituir uma estrangeira. Aí
vieram Glauco, Laerte...
FOLHA - Por que quis sair das charges em 1983?
ANGELI - Cansei da charge, porque, não podendo ir fundo na
crítica, a gente fazia piadas engraçadinhas com o Delfim Netto, por exemplo, transformando ele num bufão. Não se podia
falar muito do Brasil, então fiz
sobre guerra civil em Angola,
ditadura na Argentina. Não se
podia desenhar general. A gente representava o poder como
um cara de fraque e cartola. Comecei a achar que a charge estava perdendo a função.
FOLHA - E hoje?
ANGELI - É bem diferente. Acho
que hoje eu gosto mais de fazer
charge. Teve uma época que a
tira concentrava todas as minhas forças. Hoje eu sinto que
fico devendo para a tira porque
estou empenhado em construir
um trabalho de charge.
FOLHA - Você não desenha muito o
Lula, certo?
ANGELI - Eu não tenho desenhado ninguém. São piadas sobre a cultura da política brasileira. É lógico que entra o Lula
de vez em quando, mas eu acho
que dá mais fôlego comentar a
cultura da corrupção sem colocar nenhum nome ali. É engraçado. As pessoas dizem pra
mim: "Faz o Lula, faz o Lula". E
eu odeio fazer caricatura.
FOLHA - Voltando à "Chiclete", você tinha noção, na época, do que ela
representava?
ANGELI - Começamos sem saber o que iria representar. Mas
conforme fui percebendo, tive
que ter duas atitudes: uma foi
não me ligar muito nisso, senão
você começa a achar que representa alguma coisa, e isso pode
ser mortal. E também passei a
dar mais profundidade nas coisas. Tenho certeza da influência da "Chiclete com Banana"
no mercado editorial, no surgimento de novos desenhistas
etc. A gente teve influência sobre uma geração, mas não vou
posar de influenciador da meninada. Não caio nessa armadilha, mas tenho consciência de
que ajudou na cultura de comportamento em São Paulo.
FOLHA - E o Laerte e o Glauco?
ANGELI - Inauguramos um tipo
de humor galhofeiro, despojado, que fala de sexo, é politicamente incorreto. O Glauco é
um pouco mais novo, eu sou do
meio, e o Laerte é o mais velho.
Vejo o Laerte como uma bússola pra mim. O trabalho dele
me instiga a fazer coisas. Tenho
muita influência dele e há uma
troca entre nós que já dura
muito. Tenho uma ligação muito forte com ele. Eu raramente
saio de casa e, quando saio, é
para almoçar ou jantar com ele.
É um amigo que, além de cartunista, é uma pessoa que pensa
muito bem. De papos da gente,
sempre venho com uma idéia
que ele lançou a isca.
Como diz o Laerte, foi o trabalho do Glauco que iniciou tudo isso. Porque a gente estava
muito voltado para cartuns políticos, idéia políticas. Aí chega
o Glauco com essa idéia de poder fazer uma piada mais descompromissada. Enquanto estava tudo pegando fogo, o Glauco apertou o botãozinho que
dava para se fazer outra coisa.
Foi um frescor para mim e para
o Laerte. E, quando o Glauco
precisou de uma densidade política no trabalho, teve a nossa
influência. Essa junção resultou em Los Três Amigos.
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