São Paulo, terça-feira, 05 de junho de 2007

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"Sou um desenhista de imprensa"

Às vésperas do lançamento da "Antologia Chiclete com Banana", Angeli confessa que gosta mesmo é de charge política

Cartunista detesta fazer caricatura e diz que charge ganha fôlego ao comentar a cultura da corrupção, em vez de casos específicos


EDITOR DO FOLHATEEN

Após uma noite de sonhos tempestuosos, Angeli acordou e se viu metamorfoseado num gigantesco inseto. Angeli não é Gregor Samsa, mas o início absurdo do livro "A Metamorfose", de Franz Kafka, descreve bem o espírito de um cartunista que se retrata, muitas vezes, como uma barata no estúdio.
Um pequeno estúdio, de uns 10 m2, em seu apartamento num belo prédio antigo de Higienópolis. É ali, sobre uma prancheta, que ele fuma dois maços de cigarro por dia. É ali também que o cartunista de 50 anos, usando nanquim preto e "papel vagabundo", rodeado de livros e CDs de punk, tango e jazz, faz sua tira diária para a Ilustrada e a charge política da página A2 da Folha, publicada dia sim, dia não. Ali, ele recebeu a reportagem para a seguinte entrevista. (IVAN FINOTTI)

 

FOLHA - Por que essa antologia?
ANGELI -
A idéia é colocar uma pá de cal. Estou meio cansado já de responder pelo "Chiclete com Banana". Às vezes, não tenho mais o que falar sobre o que representou a revista. Cada hora eu falo uma coisa, então nem tenho mais certeza [risos].

FOLHA - A primeira edição teve Rê Bordosa e Bob Cuspe para prefeito.
ANGELI -
É. Aquela história do Bob Cuspe no número 1 foi mais ou menos a minha história de office-boy. É claro que tem as mentiras necessárias para transformar em história...

FOLHA - Quer dizer que você não morava num esgoto?
ANGELI -
Não morava num esgoto (risos). Mas morava na beira do rio Tietê, por exemplo. Nasci em 1956, 31 de agosto. Virginiano é bom. É chato, meticuloso, crítico, detalhista e bom. Acho que não teria feito o que fiz se não fosse virginiano. O "Chiclete" é um produto de obsessão minha, do Toninho também, mas principalmente minha, com as dificuldades de uma nova editora. Tudo são detalhes de virginiano.

FOLHA - Você lê horóscopo?
ANGELI -
Dou uma olhadinha. Acredito só quando está bom.

FOLHA - Você anda mais ligado em charge política ou nas tiras?
ANGELI -
Estou mais ligado às charges políticas atualmente. Eu sempre me classifiquei como um desenhista de humor, não um de quadrinhos ou de cartum. E fui percebendo que cada vez mais me vejo como um desenhista de imprensa. Não um desenhista que vá fazer uma "graphic novel" ou coisas assim. Vivo dentro de imprensa, eu gosto. Tanto que estou em jornal desde 1974, quando tinha 17 anos. E, na charge, desde 1975. Parei de fazer charge na Folha em 1983, a pedido meu, porque estava querendo desenvolver os personagens. Queria criar uma seleção de quadrinhos nacionais na Folha, e minha tira foi a primeira a substituir uma estrangeira. Aí vieram Glauco, Laerte...

FOLHA - Por que quis sair das charges em 1983?
ANGELI -
Cansei da charge, porque, não podendo ir fundo na crítica, a gente fazia piadas engraçadinhas com o Delfim Netto, por exemplo, transformando ele num bufão. Não se podia falar muito do Brasil, então fiz sobre guerra civil em Angola, ditadura na Argentina. Não se podia desenhar general. A gente representava o poder como um cara de fraque e cartola. Comecei a achar que a charge estava perdendo a função.

FOLHA - E hoje?
ANGELI -
É bem diferente. Acho que hoje eu gosto mais de fazer charge. Teve uma época que a tira concentrava todas as minhas forças. Hoje eu sinto que fico devendo para a tira porque estou empenhado em construir um trabalho de charge.

FOLHA - Você não desenha muito o Lula, certo?
ANGELI -
Eu não tenho desenhado ninguém. São piadas sobre a cultura da política brasileira. É lógico que entra o Lula de vez em quando, mas eu acho que dá mais fôlego comentar a cultura da corrupção sem colocar nenhum nome ali. É engraçado. As pessoas dizem pra mim: "Faz o Lula, faz o Lula". E eu odeio fazer caricatura.

FOLHA - Voltando à "Chiclete", você tinha noção, na época, do que ela representava?
ANGELI -
Começamos sem saber o que iria representar. Mas conforme fui percebendo, tive que ter duas atitudes: uma foi não me ligar muito nisso, senão você começa a achar que representa alguma coisa, e isso pode ser mortal. E também passei a dar mais profundidade nas coisas. Tenho certeza da influência da "Chiclete com Banana" no mercado editorial, no surgimento de novos desenhistas etc. A gente teve influência sobre uma geração, mas não vou posar de influenciador da meninada. Não caio nessa armadilha, mas tenho consciência de que ajudou na cultura de comportamento em São Paulo.

FOLHA - E o Laerte e o Glauco?
ANGELI -
Inauguramos um tipo de humor galhofeiro, despojado, que fala de sexo, é politicamente incorreto. O Glauco é um pouco mais novo, eu sou do meio, e o Laerte é o mais velho.
Vejo o Laerte como uma bússola pra mim. O trabalho dele me instiga a fazer coisas. Tenho muita influência dele e há uma troca entre nós que já dura muito. Tenho uma ligação muito forte com ele. Eu raramente saio de casa e, quando saio, é para almoçar ou jantar com ele. É um amigo que, além de cartunista, é uma pessoa que pensa muito bem. De papos da gente, sempre venho com uma idéia que ele lançou a isca.
Como diz o Laerte, foi o trabalho do Glauco que iniciou tudo isso. Porque a gente estava muito voltado para cartuns políticos, idéia políticas. Aí chega o Glauco com essa idéia de poder fazer uma piada mais descompromissada. Enquanto estava tudo pegando fogo, o Glauco apertou o botãozinho que dava para se fazer outra coisa. Foi um frescor para mim e para o Laerte. E, quando o Glauco precisou de uma densidade política no trabalho, teve a nossa influência. Essa junção resultou em Los Três Amigos.


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