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CRÍTICA MPB
Disco de grandes canções completa aula de anatomia
Álbum com músicas de Chico Buarque complementa CD mais ousado
LUIZ FERNANDO VIANNA
DO RIO
Os dois novos CDs de Arthur Nestrovski foram gravados no verão passado. São simultâneos e, de certa forma,
complementares.
Em "Chico Violão", ele dá
prosseguimento ao que fizera com a obra de Tom Jobim:
disseca músicas de Chico
Buarque para ressaltar a beleza delas, não transparecendo qualquer virtuosismo do
intérprete ou do arranjador.
Já em "Pra que Chorar",
acompanha o cantor Celso
Sim e é autor ou coautor de
nove das 16 faixas. Isto lhe
permite ser ousado nos arranjos e elevar o volume de
seu violão.
O primeiro, pela própria
natureza do projeto, comove
menos do que o segundo. Há
algo nele de aula de anatomia. Nestrovski põe no osso
as melodias de Chico e expõe
suas estruturas. São "antiarranjos", como diz.
Desta forma e sem as letras
sendo cantadas -embora,
não por acaso, constem no
encarte-, perde-se em emoção, mas ganha-se em compreensão das canções.
Em "Futuros Amantes",
por exemplo, os acordes repetidos no final apontam para o infinito, como pedem os
versos. Em "Embebedado", a
execução da melodia aponta
para um caminhar torto, o
equilíbrio difícil.
Pelo menos metade do repertório não é óbvio, opção
louvável e, também, compreensível: o Chico mais sofisticado, das duas últimas
décadas, é o menos popular,
pois as músicas grudam menos no ouvido.
Nestrovski mostra a complexidade de "Romance",
"Iracema Voou", "Outra Noite", e assim indica o quanto
podem ser cativantes.
Curiosamente, o disco
com Celso Sim parece se inscrever numa empreitada
contra a ideia do "fim da canção", verbalizada por Chico à
Folha em 2004 -José Miguel
Wisnik e Luiz Tatit são outros
que integram a missão, de
certa forma dispensável, pois
Chico não quis dizer que as
belas canções vão acabar, e
sim a hegemonia do formato.
O repertório de alta qualidade vai de três "lieder" (peças clássicas com letras) do
século 19 a criações recentes
de Nestrovski, passando por
canções brasileiras consagradas como "Antonico" (Ismael Silva), "É Doce Morrer
no Mar" (Dorival Caymmi/
Jorge Amado) -a mais bela
das 16 faixas- e "As Rosas
Não Falam" (Cartola), que
ganha acordes fúnebres na
introdução e no final.
Além das já conhecidas
qualidades de cantor e violonista, o CD exibe engenhosidade conceitual, com um desacalanto "Canção de Não
Dormir" polarizando com
um "Acalanto", e duas composições de Nestrovski, "Filme Inacabado" e "Retrato de
Uma Senhora", fazendo um
par de histórias de amor.
E reforça que, em se tratando de canção, a tristeza
ainda é a grande matéria-prima da construção da beleza.
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