São Paulo, sexta, 5 de junho de 1998

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Mutantes viram produto de exportação no Brasil

Folha Imagem
O trio original que formou, no final dos anos 60, a banda pop paulistana, os irmãos Arnaldo e Sérgio Batista e a cantora Rita Lee



O cantor David Byrne lança no segundo semestre nos Estados Unidos compilação que será reeditada aqui; "Technicolor", álbum multilíngue inédito gravado pela banda paulistana em 71, em Paris -e agora remasterizado-, continua inédito


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Mutantes estão na moda nos Estados Unidos, tanto quanto permanecem no gueto no Brasil natal.
Lá, recebem atenção da crítica, têm seus cinco álbuns disputados em lojas underground de discos, ganharam reportagens extensas no jornal "New York Times" e na revista "Spin" e conquistaram a admiração de roqueiros como Beck e Kurt Cobain (já morto).
Até o pesquisador de relíquias terceiro-mundistas David Byrne joga seu requebrado para cima dos meninos de 68 e promete para o segundo semestre uma compilação americana com o melhor da pioneira banda pop paulistana.
Aqui, a única certeza é a edição nacional do CD de Byrne. Enquanto isso, "Technicolor", álbum virtual gravado em Paris, em 71, e redescoberto há três anos pelo jornalista Carlos Calado, durante pesquisa para a biografia "A Divina Comédia dos Mutantes" (editora 34), continua virtual.
Uma cópia em tape acaba de ser recuperada e remasterizada em São Paulo, a pedido do ex-mutante Arnaldo Baptista. Mas a PolyGram, gravadora dos Mutantes entre 68 e 72, não garante a edição.
Guardadas as proporções de Terceiro para Primeiro Mundo, é como se a Inglaterra descobrisse que os Beatles gravaram outro disco junto com "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band" (67) e, descoberta sua existência, resolvesse guardá-lo no limbo.
O biógrafo Calado foi o primeiro a tentar impulsionar a edição tardia do disco (que seria lançado na Inglaterra e na França), sob a batuta do produtor inglês Carlos Olms, que também trabalhava (não se assuste) com os Bee Gees.
Três anos depois, Calado afirma: "Fiz todo o possível, fui até onde podia. Adoraria ver o disco lançado, mas já não consigo mais explicar por que não sai".
O disco permanece arquivado, à custa de impasses burocráticos da PolyGram -até há pouco, a gravadora se confundia até em responder se os tapes estavam ou não em seus arquivos- e de divergências entre os ex-integrantes nucleares da banda, Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias.
Ricardo Cavalera, um dos donos do estúdio Cia. de Áudio, onde foi feita a recuperação do tape, se diz "sensibilizado" com a qualidade do trabalho dos Mutantes.
"Fiquei mal quando ouvi. Eu tinha seis anos, é inacreditável que hoje pareça tão moderno assim. Não é possível que a PolyGram não reconheça isso. Desconfio que não ouviram, que não têm idéia da qualidade técnica e artística."
"O master não sai daqui em hipótese alguma. A idéia de Arnaldo é apresentar o material a PolyGram de forma decente", afirma.
O presidente da PolyGram, Marcelo Castelo Branco, desmente que a PolyGram desconheça o conteúdo de "Technicolor": "Ouvi há cerca de um ano. Dentro do contexto histórico, me surpreendeu sua modernidade".
"Sabemos que esse disco faz parte de nosso arquivo de tapes. Foi produzido quando eles tinham contrato com a gravadora, com apoio da PolyGram francesa. Mas temos que manter uma atitude cautelosa, respeitosa, aguardar que todas as condições para seu lançamento sejam dadas", diz.
Quais condições? "Como presidente de companhia, não posso cometer leviandade. Não há claramente nos arquivos prova de que possamos realizar esse lançamento. Existe um trabalho consistente de nosso departamento jurídico, mas nada de novo ainda."
Mais empecilhos? "Na outra ponta, existe o mercado. Nossa experiência de venda com os Titãs (aqui Castelo Branco troca as bolas e cita banda de gravadora concorrente) foi importante, mas nunca se traduziu em números explosivos", afirma.
Por fim, ao abordar a comparação Mutantes x Beatles, o presidente dá pista de outra natureza de entrave: "Se fossem os Beatles, o lançamento ia demorar dez anos. Eles teriam que negociar com Yoko Ono, com todos os outros. Não depende exclusivamente de nós".
A bola passa, aqui, para os ex-mutantes, de opiniões raramente convergentes no que diz respeito a Mutantes. Rita Lee afirma que gostaria de ver o álbum parisiense nas lojas.
Ela responde, por e-mail: "Mais oui, mon ami, c'est un plaisir pour moi e pour tout le publique qui aime Les Os Mutantes (sim, meu amigo, é um prazer para mim e para o público que gosta de Les Os Mutantes) -nos chamavam assim, Les Os Mutantes, achavam que Os era nome próprio".
"Acho que o fato de não ter saído ainda se deve à falta de iniciativa mesmo, tanto da gravadora quanto de nós três. Mas sou toda ouvidos, ainda mais agora, comemorando 500 anos de distanciamento", continua.
Rita diz se lembrar pouco de "Technicolor". "Só lembro que a gente queria soar meio "negão', aquela coisa para francês ver. Não me lembro de tudo que havia lá, nunca mais ouvi. Com certeza, deve ser de ótima qualidade, o estúdio era jóia e a gente costumava esmerilhar legal nas gravações."
Sérgio Dias -que, segundo a Folha apurou, também teria projeto de conduzir o lançamento de material inédito dos Mutantes- prefere o silêncio. Em resposta por e-mail, apenas afirmou que desconhece o assunto.
Arnaldo, que reouviu "Technicolor" ao lado da reportagem da Folha, na Cia. de Audio, justifica o movimento em prol da recuperação do LP: "Como ninguém toma a iniciativa, resolvi tomar. Eu, como ex-mutante, sinto que é o melhor trabalho da banda, nosso melhor momento. É tão europeu".
"Fomos para o estúdio sem saber se era bom ou ruim. Quando chegamos lá, morremos de felicidade. Foi totalmente divertido, um prêmio dentro da viagem."
De concreto, por ora, nada. Um projeto de caixa comemorativa dos 30 anos, com cinco CDs, que a PolyGram admite existir, está, segundo Castelo Branco, indefinido.
"Por enquanto, só sabemos que vamos lançar a compilação de David Byrne." E os Mutantes, que um dia sonharam invadir Londres e Paris, viram produto de importação norte-americano para o Brasil. Entenda se puder.



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