São Paulo, terça-feira, 05 de julho de 2005

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EVENTO

Mostra que estréia hoje no CCBB paulista celebra os 30 anos do movimento e gera discussão sobre sua estética atual

Punks divergem no presente e no passado

Divulgação
Chloe Webb e Gary Oldman em cena de "Sid & Nancy", exibido na mostra


THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Tão complicado quanto definir quem ou o que pode ser chamado de punk hoje é a tarefa de dar um ponto de partida para o movimento. Assim, vem cercada por discussões a estréia, em São Paulo, da mostra "Punk 30 Anos", no Centro Cultural Banco do Brasil.
O ciclo é, basicamente, um painel com filmes e documentários sobre ou que esbarram neste estilo de vida que mudou a música, a moda, costumes etc. Terá, também, um debate e dois shows.
Organizado por André Fischer, colunista da Folha, o evento toma como Big Bang o primeiro show dos Sex Pistols, em Londres, em frente à loja Sex, da estilista Vivienne Westwood. A data é contestada por vários lados, já que havia bandas punk nos EUA desde 1971, como os Ramones.
"Mas foi neste show que o punk ganhou ares de movimento social, quando chegou à Inglaterra. Antes, nos EUA, era apenas uma expressão musical. Foi em Londres que recebeu uma cara, uma estética", opina Fischer. "Foi com os Sex Pistols que o punk passou a ser conhecido mundialmente, que chegou para as massas."
Personagens da cena punk de São Paulo discordam dessa tese.
"Não considero esse show do Sex Pistols o início do punk. Para mim, o marco inicial foi no início dos anos 70, nos porões de cidades como Londres, Nova York", afirma Redson, 43, vocalista do Cólera, banda ainda na ativa.
"O punk aconteceu como uma explosão política e cultural e mostrou às pessoas que elas poderiam fazer arte, poderiam protestar. Não havia uma regra definida. E tinha como base os proletários."
Já Clemente, 42, líder dos Inocentes e punk há 28 anos, diz que é um paradoxo a celebração de 30 anos do punk, um movimento de jovens para jovens. "Mas, por um lado, é interessante mostrar o que aconteceu para a molecada. O punk se transformou, é uma música viva, não está morta", diz.
Se, nos anos 70, era fácil estereotipar um punk, com seus cabelos moicanos, que usavam piercings numa época em que piercing era apenas "um monte de brincos em lugares estranhos do corpo", hoje isso é bem mais difícil. Quem é punk hoje? Ainda dá para encontrar punks genuínos? Há sentido em ser genuinamente punk?
Para Clemente, "ser punk hoje é ter uma atitude, também por um estilo de música. Não é mais um movimento social. Atualmente se trabalha com códigos estabelecidos. Naquela época, não sabíamos direito o que era ser punk. Era mais um posicionamento político que envolveu várias artes, cinema, artes plásticas, literatura".
"Há uma distância grande entre o que é ser punk hoje e o que foi nos anos 70. As referências são outras, as indignações são outras. Na época, surgimos na ditadura, era um momento delicado. Era outro foco", afirma Redson. "Depois houve um radicalismo do movimento, ou talvez eu é que não era tão punk como aquele movimento pretendia."
Para o vocalista do Cólera, o perfil do punk está pulverizado. "São pessoas de todas as classes sociais. Há punks de famílias ricas, mas que não concordam com essa realidade. Talvez seja uma revolta que dura apenas poucos anos, depois o cara faz faculdade, arruma um emprego e vai embora... Mas enquanto houver a necessidade de se expressar, de se libertar de algo, haverá o punk."

Protesto
Antes de chegar a São Paulo, a mostra passou pelo Rio. Lá, cerca de 40 anarcopunks (segmento que defende o anarquismo e cuja proposta é reconstruir a sociedade; é ligado a outros movimentos sociais, como os indígenas e de defesa dos homossexuais) protestaram na porta do CCBB.
Diego P., anarcopunk paulista, não estava no protesto, mas explica as razões da manifestação. "Primeiro porque foi organizado numa instituição financeira, um centro de controle social. O punk nasceu contra esse tipo de coisa. Segundo porque há documentos que mostram que já existia manifestações punks antes dos Sex Pistols, um grupo que se aproveitou do visual e da música da época, e não os consideramos punks."
"Os Sex Pistols eram uma banda formatada, mas não deixam de ser punks. É uma referência de mercado, mas não deixa de ter o seu valor", opina Redson.
Entre os documentários da mostra, há o "Começo do Fim do Mundo", sobre o histórico festival de mesmo nome organizado por Antônio Bivar no Sesc Pompéia, em 27 e 28 de novembro de 1982. A cópia foi remasterizada de um VHS encontrado por Fischer.
O festival contou com bandas como Cólera, Ratos de Porão, Lixomania, Ulster, Fogo Cruzado... Foi interrompido pela Tropa de Choque da PM, num quebra-quebra. O evento terá debate com Bivar, com a cineasta Sarah Yakhni ("Punks") e com a colunista da Folha Bia Abramo, e shows das Mercenárias e Verafisher.


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