São Paulo, domingo, 05 de julho de 2009

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Encarar a plateia ainda assusta novos cantores

Confronto com tradição musical e sexualidade também causam desconforto

Para músicos, Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo deram coragem para que homens assumissem o microfone sem traumas

Leonardo Wen/Folha Imagem
Admirador de João Gilberto, o músico Romulo Fróes afirma que novos cantores brasileiros são "filhos' do papa da bossa nova

DA REPORTAGEM LOCAL

O medo de cantar. Ainda que os meninos dos anos 2000 se virem muito bem em todas as tarefas da produção de um disco, a obrigação de subir ao palco e encarar a plateia com a própria voz ainda causa pesadelos em muitos deles.
Diversos fatores foram apontados como causas desse pavor. Segundo Thiago Pethit, um dos que mais costumam atormentar seus colegas é o desconforto com a exposição pessoal -o artista ter que se mostrar além da própria música.
"Estamos nos libertando de uma tradição", comemora. "A de que aos homens restou o papel das feras, enquanto nossas colegas cantoras representariam as belas."
Ele segue seu raciocínio: "Para os homens, assumir uma "personalidade", ou se tornar o belo de sua própria fera tem sido tema de discussão até nos divãs da psicologia. Porque não seria para nós, cantores?"
É mais ou menos essa a opinião de Leo Cavalcanti, que, em suas performances, tem demonstrado interesse em misturar referências cênicas femininas e masculinas. Leo aponta o sexo como um tema tabu entre os cantores.
"Talvez as pessoas tenham dificuldade de ver homem cantando -que é um ato feminino por consistir em doçura- ou expondo sua feminilidade sem que sejam necessariamente gays", analisa. "Elas não conseguem engolir isso porque fica mexendo num monte de coisas nos seus estômagos, coisas delas mesmas que não conseguem digerir e têm verdadeiro pânico de enfrentar."

João Gilberto
Mas nem todos os medos se concentram no campo sexual. Bruno Morais detecta, como outro fator repressivo, uma autocrítica feroz dos cantores em relação às próprias vozes.
"Alguns amigos que cantam vivem me dizendo que são compositores, mas que não são bons de palco ou não cantam bem", relata. "Mas aí você vai ouvir o cara cantando e a voz é linda, tem uma ótima expressão, uma originalidade."
"Parece que o desejo de ser autor supera o de ser intérprete. Como se aquele fosse mais artista que este", emenda Rubinho Jacobina. "A figura do cantor que se dedica de corpo e alma à nobilíssima arte de interpretar deixando de lados possíveis veleidades autorais está muito em baixa."
Ele tem razão. Todos os cantores que falaram para esta reportagem são também compositores. Tanta coincidência deve significar alguma coisa.
Romulo Fróes vai fundo na questão e defende a tese de que, no que diz respeito à maior parte dos meninos desta geração, o canto não é um "produto final", mas um instrumento na formatação do trabalho.
"Ainda vale a invenção de João Gilberto, em maior ou menor grau somos todos filhos dele", diz. "A composição é que particulariza o canto de cada um. Se somos uma geração que pretende mexer na tradição da canção brasileira, e acredito que somos, isso necessariamente tem que passar pela composição."
Ter uma boa voz é um atributo fundamental para que o cantor se dê bem? Thiago Pethit volta para dar sua opinião: "Isso é importante, mas foi-se o tempo de cantar só porque se tem uma bela voz afinada. Como não faz mais sentido compor só porque se tem belas rimas. É preciso mais que isso".
Lançando seu quinto álbum nesta década de 2000, Wado até concorda com Thiago, mas adverte que é preciso ficar atento aos problemas que muitos de seus colegas enfrentam quando botados à prova como cantores. "Nos programas de TV ao vivo, eles sempre sofrem com a falta de técnica. É legal que o jeito de cantar seja uma espécie de assinatura, mas isso não pode servir como muleta."

Los Hermanos
Ainda que isso não seja uma unanimidade, vários dos 13 cantores perguntados nesta matéria apontam Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante como principais responsáveis por esse surto de coragem.
Os dois vocalistas da banda Los Hermanos teriam servido de referência para que os meninos, mesmo com vozes consideradas "pequenas" ou "estranhas", pudessem assumir os microfones com mais convicção que nunca.
Marcelo Jeneci, que cita nominalmente Camelo e Amarante, contabiliza também fatores, inclusive extramusicais, como parte importante desse processo de renovação.
"Hoje, temos o mais brasileiro de todos os presidentes americanos na Casa Branca, Lula aqui no Brasil, Radiohead apontando o novo caminho musical e uma nova opção de comercialização de música e a queda de qualquer fronteira capaz de superar a velocidade da informação", enumera.
E conclui: "O mundo voltou a borbulhar em todos os lugares ao mesmo tempo. Isso faz brotar, mais uma vez, a resposta, a atitude e a involuntária necessidade de expressão das pessoas, a voz de cada um." (MARCUS PRETO)


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