|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Encarar a plateia ainda assusta novos cantores
Confronto com tradição musical e sexualidade também causam desconforto
Para músicos, Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo deram coragem para que homens assumissem o microfone sem traumas
Leonardo Wen/Folha Imagem
|
|
Admirador de João Gilberto, o músico Romulo Fróes afirma que novos cantores brasileiros são "filhos' do papa da bossa nova
DA REPORTAGEM LOCAL
O medo de cantar. Ainda que
os meninos dos anos 2000 se
virem muito bem em todas as
tarefas da produção de um disco, a obrigação de subir ao palco
e encarar a plateia com a própria voz ainda causa pesadelos
em muitos deles.
Diversos fatores foram apontados como causas desse pavor.
Segundo Thiago Pethit, um dos
que mais costumam atormentar seus colegas é o desconforto
com a exposição pessoal -o artista ter que se mostrar além da
própria música.
"Estamos nos libertando de
uma tradição", comemora. "A
de que aos homens restou o papel das feras, enquanto nossas
colegas cantoras representariam as belas."
Ele segue seu raciocínio: "Para os homens, assumir uma
"personalidade", ou se tornar o
belo de sua própria fera tem sido tema de discussão até nos
divãs da psicologia. Porque não
seria para nós, cantores?"
É mais ou menos essa a opinião de Leo Cavalcanti, que, em
suas performances, tem demonstrado interesse em misturar referências cênicas femininas e masculinas. Leo aponta o
sexo como um tema tabu entre
os cantores.
"Talvez as pessoas tenham
dificuldade de ver homem cantando -que é um ato feminino
por consistir em doçura- ou
expondo sua feminilidade sem
que sejam necessariamente
gays", analisa. "Elas não conseguem engolir isso porque fica
mexendo num monte de coisas
nos seus estômagos, coisas delas mesmas que não conseguem digerir e têm verdadeiro
pânico de enfrentar."
João Gilberto
Mas nem todos os medos se
concentram no campo sexual.
Bruno Morais detecta, como
outro fator repressivo, uma autocrítica feroz dos cantores em
relação às próprias vozes.
"Alguns amigos que cantam
vivem me dizendo que são
compositores, mas que não são
bons de palco ou não cantam
bem", relata. "Mas aí você vai
ouvir o cara cantando e a voz é
linda, tem uma ótima expressão, uma originalidade."
"Parece que o desejo de ser
autor supera o de ser intérprete. Como se aquele fosse mais
artista que este", emenda Rubinho Jacobina. "A figura do cantor que se dedica de corpo e alma à nobilíssima arte de interpretar deixando de lados possíveis veleidades autorais está
muito em baixa."
Ele tem razão. Todos os cantores que falaram para esta reportagem são também compositores. Tanta coincidência deve significar alguma coisa.
Romulo Fróes vai fundo na
questão e defende a tese de que,
no que diz respeito à maior parte dos meninos desta geração, o
canto não é um "produto final",
mas um instrumento na formatação do trabalho.
"Ainda vale a invenção de
João Gilberto, em maior ou
menor grau somos todos filhos
dele", diz. "A composição é que
particulariza o canto de cada
um. Se somos uma geração que
pretende mexer na tradição da
canção brasileira, e acredito
que somos, isso necessariamente tem que passar pela
composição."
Ter uma boa voz é um atributo fundamental para que o cantor se dê bem? Thiago Pethit
volta para dar sua opinião: "Isso é importante, mas foi-se o
tempo de cantar só porque se
tem uma bela voz afinada. Como não faz mais sentido compor só porque se tem belas rimas. É preciso mais que isso".
Lançando seu quinto álbum
nesta década de 2000, Wado
até concorda com Thiago, mas
adverte que é preciso ficar
atento aos problemas que muitos de seus colegas enfrentam
quando botados à prova como
cantores. "Nos programas de
TV ao vivo, eles sempre sofrem
com a falta de técnica. É legal
que o jeito de cantar seja uma
espécie de assinatura, mas isso
não pode servir como muleta."
Los Hermanos
Ainda que isso não seja uma
unanimidade, vários dos 13
cantores perguntados nesta
matéria apontam Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante como principais responsáveis por
esse surto de coragem.
Os dois vocalistas da banda
Los Hermanos teriam servido
de referência para que os meninos, mesmo com vozes consideradas "pequenas" ou "estranhas", pudessem assumir os
microfones com mais convicção que nunca.
Marcelo Jeneci, que cita nominalmente Camelo e Amarante, contabiliza também fatores, inclusive extramusicais,
como parte importante desse
processo de renovação.
"Hoje, temos o mais brasileiro de todos os presidentes americanos na Casa Branca, Lula
aqui no Brasil, Radiohead
apontando o novo caminho
musical e uma nova opção de
comercialização de música e a
queda de qualquer fronteira capaz de superar a velocidade da
informação", enumera.
E conclui: "O mundo voltou a
borbulhar em todos os lugares
ao mesmo tempo. Isso faz brotar, mais uma vez, a resposta, a
atitude e a involuntária necessidade de expressão das pessoas, a voz de cada um."
(MARCUS PRETO)
Texto Anterior: Só no gogó Próximo Texto: Frases Índice
|