UOL


São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FESTA LITERÁRIA DE PARATI

Escritores como Don DeLillo e Julian Barnes afirmam que evento foi "mar de rosas"

Passeio de barco e feijoada encerram a Flip

Tuca Vieira/Folha Imagem
Os escritores Eric Hobsbawm (esq.) e Julian Barnes, durante passeio de barco em Parati, anteontem, último dia da festa literária


CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A PARATI

Durante dois períodos de 30 minutos na tarde de domingo, o marinheiro paratiense Juvenal Freire, 52, foi o homem mais importante da literatura mundial.
No timão de uma escuna chamada Xamego, ele conduziu mar de Parati afora escritores como o americano Don DeLillo, os ingleses Hanif Kureishi e Julian Barnes, os brasileiros Milton Hatoum, Bernardo Carvalho, donos de editoras como Morgan Entrekin, da americana Grove/Atlantic, Nigel Newton, da inglesa Bloomsbury, Luiz Schwarcz, da brasileira Companhia das Letras, além do historiador e garoto-prodígio Eric Hobsbawm, 86.
Não tem perigo de afundar com toda essa gente, seu Juvenal? "Pode deixar que aqui não é Titanic", brincou o capitão, que entregou como o prometido os cerca de 60 tripulantes às 13h30 na casa da editora Liz Calder.
Criadora da Festa Literária Internacional de Parati, a inglesa celebrava com feijoada a realização da primeira edição desse evento, que começou na quinta e acabou na noite de domingo.
A 1ª Flip foi um "mar de rosas", a julgar pelos autores e demais literatos espalhados pelos generosos 75 pés (21 metros) do barco Xamego.
"Estou pensando em me mudar para Parati", brincou Julian Barnes, a estibordo da embarcação. Autor do celebrado romance "O Papagaio de Flaubert", ele se mostrava particularmente intrigado com as gaivotas que cortavam o primeiro dia de céu ensolarado desde o início do festival.
"Como se chamam esses pássaros?", perguntou. "Gaivota." Risos do escritor: "Harry Potter?" (Em inglês, a pronúncia de Harry Potter -personagem descoberto pela Bloomsbury, que tinha boa parte de seu staff na escuna- se parece com gaivota.)
Barnes não leu as histórias do bruxinho. Nas noites de Parati ele folheou o novo romance, inédito, do australiano Peter Carrey.
"Olhem, olhem, ela mergulhou", interrompe a conversa, apontando a porção de mar de onde sairia a gaivota com "um sashimi" na boca.
A gaivota em questão, brincou ele, é prima de milésimo grau de seu personagem mais famoso. No romance Barnes não conta isso, mas em Parati revelou que o papagaio que protagoniza "O Papagaio de Flaubert" (a história de um médico que encontra o pássaro empalhado que o escritor francês teria usado como modelo para sua novela "Um Coração Simples") era brasileiro.
"Era da Amazônia. Outro dia, [o escritor e autor de livros de história] Eduardo Bueno também me disse que houve um tráfico de papagaios brasileiros para a França no século 19."
Sem grande interesse pelas gaivotas -e menos ainda pelos peixes ("que bom que teremos feijoada, comi peixes todos os dias")-, Don DeLillo gostou foi de ver a casa onde morou Julia Mann, a mãe do autor alemão Thomas Mann (1875-1955), de "A Montanha Mágica".
"Mann chegou a morar aqui?", pergunta DeLillo, sempre afundando com a mão esquerda seu boné verde-oliva na cabeça. "Não, não chegou."
O escritor de "Submundo" passou a viagem toda estático, de pé, na proa do Xamego (e para nós, paulistanos, pouco versados na linguagem do mar, vale lembrar que a proa é a frente da embarcação, daí a expressão, muito usada para descrever DeLillo, "figura de proa").
Grande narrador do passado histórico, Hobsbawm ficou, na ida e na volta, na popa, a parte de trás. Hanif Kureishi, o mais relaxado do barco, ficou esparramado no convés, vez por outra brincando com um chocalho indígena que comprou para seu filho Kya. "O que gostei mais da Flip foi que é um evento pequeno", comentou o escritor, crítico dos megafestivais literários como o Hay Festival, no País de Gales.
Eleito por jornalistas o mais mal-humorado do evento, em rankings que apontaram Hobsbawm e o americano Daniel Mason como os mais simpáticos da Flip, Kureishi foi brindado pelos colegas com gritos de "joguem ele ao mar primeiro", quando a escuna aportou de volta.
Seu Juvenal, não especificamente um literato, estava satisfeito. Mais uma missão cumprida.


Texto Anterior: Literatura: Rubem Fonseca ganha Prêmio Juan Rulfo
Próximo Texto: Don DeLillo "anuncia" invasão da Síria
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.