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GENERAIS DO SAMBA
O músico carioca, homenageado em SP, teve infância difícil, ficou paraplégico após briga e morreu no auge
Mestres cantam a tragédia de Candeia
DA SUCURSAL DO RIO
Para amigos que conviveram
com ele, como Paulinho da Viola
e Wilson Moreira, participantes
da homenagem de hoje, Candeia
era grande, mas real. Para muita
gente do samba, no entanto, ele é
um mito. Compreende-se: sua
biografia se assemelha à de um
herói trágico.
Quando criança, ele lamentava
que suas festas de aniversário não
tinham crianças. Seu pai, Antônio
Candeia, aproveitava o 17 de
agosto para chamar os amigos
adultos para um longo pagode
temperado a feijão e cachaça.
De tanto ouvir, tornou-se um
mestre precoce do samba. Aos 17
anos, venceu a disputa de sambas-enredos na Portela para o
Carnaval de 1953. Ao lado do parceiro Waldir, 59, ainda venceria
outras cinco vezes na escola.
Jovem forte, tornou-se um policial severo, violento mesmo. Dava
duras em prostitutas, supostos
malandros -certa vez abordou o
ainda desconhecido Paulinho da
Viola em um salão de sinuca- e
prendia sem parcimônia.
"Candeia queria ser bom em tudo. Se era policial, tinha que prender. Mais novo, como não tinha
habilidade para jogar bola, foi ser
centroavante rompedor. Fazia gol
de ombro, do jeito que desse",
conta o amigo e biógrafo João
Baptista Vargens, autor de "Candeia - Luz da Inspiração".
A rima de valentia com boemia
lhe custou caro. Na manhã de 13
de dezembro de 1965, ao voltar de
uma noitada, Candeia se envolveu em uma briga de trânsito no
centro do Rio. Esvaziou a tiros os
pneus do caminhão que se chocara com seu carro. Em resposta, o
dono do caminhão atirou cinco
vezes. Uma bala pegou a medula e
o deixou paraplégico.
"Não há dúvida de que sua obra
amadureceu bastante depois do
acidente. Ao ficar preso a uma cadeira de rodas, teve tempo para
pensar na vida", afirma Vargens.
Muitas de suas letras passaram
a falar de sua situação. "Sentado
em trono de rei/ Ou aqui nesta cadeira/ (...) De qualquer maneira/
Meu amor eu canto", disse em
"De Qualquer Maneira". "Me sinto igual a uma folha caída/ Sou o
adeus de quem parte/ Para quem
a vida é pintura sem arte", lamentou em "Pintura sem Arte".
Mas, na segunda parte da mesma música, ele reconhecia o valor
da dor e levantava as "flores mortas pelo chão". A partir do final
dos anos 60, Candeia assumiu
uma atitude praticamente inversa
à do policial repressor, transformando o seu sofrimento em matéria-prima de uma reviravolta típica dos heróis trágicos.
Tornou-se um líder político,
mas não partidário, o que era
quase impossível naqueles anos
de ditadura. Foi um porta-voz da
cultura negra, dos sambistas alijados das escolas de samba cada vez
mais comerciais e de um nacionalismo que incomodava numa
época em que era bom para o Brasil o que fosse bom para os EUA.
"Depois de sua morte, soubemos que a ditadura o vigiava, porque ele tinha uma postura rebelde
e estava mobilizando estivadores
e outros grupos esquecidos", conta Vargens.
O centro da mobilização era o
Quilombo, ou Grêmio Recreativo
de Arte Negra e Escola de Samba
Quilombo. Foi criado em 1975 depois de sua ruptura com a Portela
e para ser mais do que uma mera
agremiação carnavalesca.
Para Wilson Moreira, diretor do
Quilombo e seu parceiro em "Me
Alucina", "Quero Estar Só" e vários sambas, "Candeia estava liderando alguma coisa grande". Para
o compositor e escritor Nei Lopes,
sua "firme postura política" foi
decisiva para a retomada do movimento negro no Rio.
"Hoje, as idéias de Candeia
ecoam como utopia. Mas não se
pode negar que seu pensamento
foi muito além do que supõe a vã
filosofia", diz Lopes.
Para coroar o destino trágico,
Candeia morreu cedo (aos 43
anos, em 16 de novembro de 1978)
e no auge. Tinha lançado nos anos
anteriores cinco discos solo, discos coletivos -como os três da
série "Partido em 5"- e começado a se tornar mito.
"Candeia era o cara!", exalta
Luiz Carlos da Vila, outro destaque da noite de hoje, parceiro
póstumo de Candeia em "A Luz
do Vencedor" e autor da maior
homenagem feita ao mestre, o
samba "O Sonho Não Acabou",
que ele torce para ser profético:
"O sonho não vai acabar/ E ninguém irá esquecer/ Candeia".
(LUIZ FERNANDO VIANNA)
Homenagem a Candeia
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, 0/xx/
11/3871-7700)
Quando: hoje e amanhã, às 22h30, e
domingo, às 19h30
Quanto: ingressos esgotados
Homenagem a Nelson Sargento
Onde: Traço de União (r. Cláudio Soares,
73, Pinheiros, 0/xx/11/ 3031-8065)
Quando: hoje, às 22h
Quanto: R$ 20
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