São Paulo, sexta-feira, 05 de agosto de 2005

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Ironia de Osvaldo Pereira evoca criações de Noel Noel e Lamartine Babo

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Se Osvaldo Pereira fosse um compositor dos anos 30, seria só mais um. Hoje, chama a atenção por sua singularidade. Em seu segundo CD, "As Árvores", esse carioca de 37 anos apresenta um rol de músicas que, por causa das melodias cadenciadas e das letras irônicas, evoca as criações de Noel Rosa e Lamartine Babo de uma forma dificilmente encontrável hoje em dia.
"Quando eu tinha oito anos, ouvi "Com que Roupa?", de Noel, e aquilo me marcou profundamente. Por idiossincrasia, comecei a colecionar discos de 78 rotações com sambas dos anos 30. Hoje, essa é uma referência natural. Não componho assim para copiar", explica Pereira.
É uma trajetória tão singular que ele ainda não encontrou lugar no meio musical. O primeiro CD, o independente "Olha Zé", de 1998, ganhou no ano seguinte um Prêmio Sharp na categoria revelação. Ainda assim, ele ficou de 2001 a 2004 gravando por conta própria "As Árvores".
No momento atual do samba carioca, também é figura peculiar. Em vez de cantar os sambas do passado, como fazem muitos dos intérpretes da nova geração, ele cria sambas próprios com um gosto de passado. Em vez de ser um cantor/músico que invoca os mestres negros do gênero, ele é branco na pele e no estilo.
"Reconheço que sou um sambista de disco, de gostar de ouvir e tocar. Não tenho formação de roda, de partido-alto. Quero ver se, apresentando meu novo trabalho, eu consigo trocar mais com os partideiros", anseia ele, que lança o CD produzido por Luís Filipe de Lima na próxima terça-feira, no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Rio de Janeiro.
Bem buriladas, as letras e melodias de Pereira indicam um bom tempo de gestação. A exceção, segundo ele, é a faixa-título do disco, samba que compôs em 2000, em uma viagem de ônibus do Jardim Botânico até Copacabana -dura menos de meia hora.
"Foi uma época em que eu catava moedinha para pagar a passagem, estava sem namorada e meu cachorro tinha morrido. Passando pelo Jardim Botânico, pensei: "Meu único amor no mundo são as árvores!'", conta ele, que cursa direito para não depender só da música.
A ironia é o forte de Pereira. Em "As Árvores", evoca o samba clássico de Noel nos versos "E moro na roupa que/ Não possui armário". E brinca mais com a própria falência: "Mas hei de inventar a pinga/ Do eterno porre".
"Sorriso" tem trechos perfeitos para os tempos de "mensalão": "Alguém que conquista fortuna lesando o seu semelhante/ Devia ter, no semblante,/ Caretas horríveis de dor"; "Roubas dinheiro do povo mentindo descaradamente/ E eu sempre te vi sorridente/ Em foto que sai no jornal"; "Quem tem/ Duas caras, devia/ Ter paralisia/ No maxilar".
"Torpes Sensações" é a mais divertida do CD: "És uma flor graciosa sedenta de amor/ Eu bem queria regar-te e te proteger de toda dor/ Mas trazes no teu passado horríveis depravações/ Até hoje, quando bebes, te entregas a torpes sensações".
Há boas doses de lirismo em "Rua dos Inventos" e "Poente", e ainda mais de humor nas marchas "Hino da C.A.F.E.R.J" e "Dinheiro". O CD fecha com o ótimo "Idéias" ("Pois eu vivo de idéias/ E estou faminto", diz o refrão), em que tocam duas importantes figuras do samba carioca: Carlos Didier, violonista e co-autor (com João Máximo) de "Noel Rosa -Uma Biografia", e Eliseu, grande percussionista.


As Árvores
   
Artista: Osvaldo Pereira
Gravadora: Dubas
Quanto: R$ 24, em média


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