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"Atmosfera era estranha", diz artista
DA REPORTAGEM LOCAL
Kimi Nii nasceu em uma
Hiroshima em reconstrução, dois
anos depois do primeiro desastre
atômico. Mesmo assim, foi impossível não perceber o quanto
aquela cidade tinha mudado.
"Apesar de pequena, me lembro
da atmosfera estranha", conta ela.
As lembranças da tragédia vinham em pequenos relatos de
seus irmãos. "Minha irmã mais
velha sempre lembrava de uma
amiga que morreu por causa da
radiação. Também falava das pessoas com sangue escorrendo pelo
nariz. E meus irmãos perderam
amigos. As pessoas tinham medo
de tomar chuva com medo de se
contaminar."
Mas os comentários mais fortes
vinham de sua mãe, nissei que havia emigrado para o Japão e que,
com Kimi aos nove anos, retornou ao Brasil com sua família -o
casal e os cinco filhos.
"Ela disse que estava olhando
na direção da cidade. Era cedo e
viu dois aviões, com o símbolo
dos americanos. Viu quando o segundo soltou a bomba. Primeiro,
veio a luz, depois um estrondo
forte. As janelas tremeram muito
e parte do telhado caiu. Mais tarde, veio a nuvem, o incêndio",
lembra ela. A artista plástica disse
que já havia rumores de um possível ataque das forças americanas
e, por isso, muitas famílias foram
alertadas para se dirigir a bairros
mais afastados da cidade. Em um
deles, na casa de um bisavô, todos
sobreviveram.
Kimi retornou a Hiroshima
duas vezes, a primeira 20 anos depois de sair da cidade e ter se instalado no bairro do Butantã, em
São Paulo. "Estava tudo mudado." A artista não deixou de visitar o museu em homenagem às
vítimas. "Uma das imagens que
mais me chocou foi a de um bebê
tentando mamar em sua mãe, já
morta. Muito impressionante."
Por isso, ela ficou decepcionada
com a conduta na Guerra do Iraque do governo japonês, que enviou tropas ao país de Saddam
Hussein para participar da coalizão liderada pelos EUA.
"Pode uma coisa dessas? O Japão já não sofreu o bastante? A
guerra não tem nada a ver", reclama Kimi, que, em São Paulo, se
aproximou do grupo nipo-brasileiro de artistas, em especial de
Tomie Ohtake. Uma escultura em
cerâmica de Kimi foi colocada
perto do desenho de Hiroharu
Kono, que fecha a exposição ao
exibir a desolação de um homem
frente às ruínas, mas ainda vivo.
"(...) Num instante, a casa desmoronou sobre mim. (...) Queria
sobreviver de qualquer jeito, então cavei a terra com as próprias
mãos, conseguindo sair de debaixo dos escombros da casa. Ao
sair, vi um grande incêndio que
me cercava. Pessoas fugiam e corriam de lá pra cá. (...) Chorei por
não ter conseguido fazer nada",
frisa Kono, em apenas um dos impressionantes depoimentos.
Lançamento
O livro "Um Clarão sobre o Céu
de Hiroshima", de Fernanda Torres Magalhães, uma das idealizadoras da mostra, será lançado pela Lazuli-Nacional na abertura.
(MG)
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