São Paulo, sexta-feira, 05 de agosto de 2005

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"Atmosfera era estranha", diz artista

DA REPORTAGEM LOCAL

Kimi Nii nasceu em uma Hiroshima em reconstrução, dois anos depois do primeiro desastre atômico. Mesmo assim, foi impossível não perceber o quanto aquela cidade tinha mudado.
"Apesar de pequena, me lembro da atmosfera estranha", conta ela. As lembranças da tragédia vinham em pequenos relatos de seus irmãos. "Minha irmã mais velha sempre lembrava de uma amiga que morreu por causa da radiação. Também falava das pessoas com sangue escorrendo pelo nariz. E meus irmãos perderam amigos. As pessoas tinham medo de tomar chuva com medo de se contaminar."
Mas os comentários mais fortes vinham de sua mãe, nissei que havia emigrado para o Japão e que, com Kimi aos nove anos, retornou ao Brasil com sua família -o casal e os cinco filhos.
"Ela disse que estava olhando na direção da cidade. Era cedo e viu dois aviões, com o símbolo dos americanos. Viu quando o segundo soltou a bomba. Primeiro, veio a luz, depois um estrondo forte. As janelas tremeram muito e parte do telhado caiu. Mais tarde, veio a nuvem, o incêndio", lembra ela. A artista plástica disse que já havia rumores de um possível ataque das forças americanas e, por isso, muitas famílias foram alertadas para se dirigir a bairros mais afastados da cidade. Em um deles, na casa de um bisavô, todos sobreviveram.
Kimi retornou a Hiroshima duas vezes, a primeira 20 anos depois de sair da cidade e ter se instalado no bairro do Butantã, em São Paulo. "Estava tudo mudado." A artista não deixou de visitar o museu em homenagem às vítimas. "Uma das imagens que mais me chocou foi a de um bebê tentando mamar em sua mãe, já morta. Muito impressionante."
Por isso, ela ficou decepcionada com a conduta na Guerra do Iraque do governo japonês, que enviou tropas ao país de Saddam Hussein para participar da coalizão liderada pelos EUA.
"Pode uma coisa dessas? O Japão já não sofreu o bastante? A guerra não tem nada a ver", reclama Kimi, que, em São Paulo, se aproximou do grupo nipo-brasileiro de artistas, em especial de Tomie Ohtake. Uma escultura em cerâmica de Kimi foi colocada perto do desenho de Hiroharu Kono, que fecha a exposição ao exibir a desolação de um homem frente às ruínas, mas ainda vivo.
"(...) Num instante, a casa desmoronou sobre mim. (...) Queria sobreviver de qualquer jeito, então cavei a terra com as próprias mãos, conseguindo sair de debaixo dos escombros da casa. Ao sair, vi um grande incêndio que me cercava. Pessoas fugiam e corriam de lá pra cá. (...) Chorei por não ter conseguido fazer nada", frisa Kono, em apenas um dos impressionantes depoimentos.

Lançamento
O livro "Um Clarão sobre o Céu de Hiroshima", de Fernanda Torres Magalhães, uma das idealizadoras da mostra, será lançado pela Lazuli-Nacional na abertura. (MG)


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