São Paulo, sábado, 05 de agosto de 2006

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Crítica/romance

Policial estréia na ficção com deslizes

JOAQUIM NOGUEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O ponto alto de "A Morte É um Número Par", livro escrito pelo delegado Alan Luxardo, do Rio de Janeiro, é o estabelecimento do suspense. Realmente intriga o leitor que dois corpos de mulher sejam encontrados em uma favela carioca, rostos desfigurados, dedos lesionados, impossibilitando a identificação por digitais, justamente quando duas socialites, Eduarda e Renata, haviam desaparecido no aeroporto do Galeão após deixar um avião que as trouxera de Brasília. Elas nem pretendiam ficar no Rio. Queriam vir para São Paulo.

Delegado sofisticado
A investigação vai cair no colo do delegado Gabriel Barone, titular de delegacia, homem sofisticado, arrogante e auto-suficiente, o tal que mora em cobertura, refresca-se na piscina do prédio, dirige um Audi, deita falação sobre vinhos e quadros, além de, nas horas vagas, comer as boas do pedaço. Se não fosse, por outro lado, honesto e independente, o personagem estaria pedido para a literatura. Embora estreante, Luxardo tem habilidade e pique para conduzir o leitor pelos meandros do trabalho policial, mostrando o interior das delegacias, a relação nem sempre fácil entre autoridades, a deduragem, as pressões exercidas sobre os "elementos" e as pressões sofridas de superiores e políticos. Com frases curtas e simples, cenas rápidas e diálogos ágeis, o autor pega com a mesma facilidade a vida no Rio e a paisagem de Angra dos Reis e Brasília.

Deslizes e distrações
O livro se ressente de alguns deslizes e distrações, que poderiam ter sido evitados com um mínimo de esforço. "Subimos a rua...", "Era uma ladeira..." etc. O número exagerado de vocativos cansa e chateia. A toda hora alguém diz: "Não é, delegado?", "Já prendeu o suspeito, doutor?", "Como vai a investigação, Barone?" ou "O senhor me chamou, delegado?". O cargo aparece várias vezes em quase todas as páginas... como se Luxardo quisesse cravar essa informação na cabeça do leitor.

Caminhos da investigação
No trabalho investigativo, o personagem-narrador demonstra conhecimento e objetividade. Sabe quais provas são importantes e conhece os caminhos por onde conseguir. Valendo-se de peritos, objetos encontrados, testemunhas e subordinados, Barone avança como um torpedo para a revelação do assassino.
Algumas provas parecem simples e fáceis, oportunas demais -é o caso da arrumadeira que flagra seu patrão de mãos dadas com a amante, ou a cicatriz no ventre de uma das vítimas-, mas isto não chega a comprometer o thriller. Autores de renome e até sem nome nenhum já perpetraram e perpetram o mesmo pecado.
Um bom exemplo é Edgard Wallace. Se a qualidade mais alta do livro é a criação do suspense, creio que seu ponto mais baixo é justamente o desfecho. Autores de policiais têm obrigação de esclarecer de maneira simples o bastante o mistério que estabeleceram, como bem demonstra o discurso do psicólogo nas cenas finais de "Psicose". O "relatório" que Barone apresenta ao secretário da Segurança é claramente parcial.


JOAQUIM NOGUEIRA é delegado aposentado da Polícia Civil de São Paulo, autor de "Informações sobre a Vítima" e "Vida Pregressa", ambos publicados pela Companhia das Letras

A MORTE É UM NÚMERO PAR   
Autor: Alan Luxardo
Editora: Rocco
Quanto:
R$ 29 (192 págs.)


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