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Crítica/romance
Policial estréia na ficção com deslizes
JOAQUIM NOGUEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O ponto alto de "A Morte
É um Número Par", livro escrito pelo delegado Alan Luxardo, do Rio de Janeiro, é o estabelecimento do
suspense. Realmente intriga o
leitor que dois corpos de mulher sejam encontrados em
uma favela carioca, rostos desfigurados, dedos lesionados,
impossibilitando a identificação por digitais, justamente
quando duas socialites, Eduarda e Renata, haviam desaparecido no aeroporto do Galeão
após deixar um avião que as
trouxera de Brasília. Elas nem
pretendiam ficar no Rio. Queriam vir para São Paulo.
Delegado sofisticado
A investigação vai cair no colo do delegado Gabriel Barone,
titular de delegacia, homem sofisticado, arrogante e auto-suficiente, o tal que mora em cobertura, refresca-se na piscina
do prédio, dirige um Audi, deita
falação sobre vinhos e quadros,
além de, nas horas vagas, comer
as boas do pedaço. Se não fosse,
por outro lado, honesto e independente, o personagem estaria pedido para a literatura.
Embora estreante, Luxardo
tem habilidade e pique para
conduzir o leitor pelos meandros do trabalho policial, mostrando o interior das delegacias, a relação nem sempre fácil
entre autoridades, a deduragem, as pressões exercidas sobre os "elementos" e as pressões sofridas de superiores e
políticos. Com frases curtas e
simples, cenas rápidas e diálogos ágeis, o autor pega com a
mesma facilidade a vida no Rio
e a paisagem de Angra dos Reis
e Brasília.
Deslizes e distrações
O livro se ressente de alguns
deslizes e distrações, que poderiam ter sido evitados com um
mínimo de esforço. "Subimos a
rua...", "Era uma ladeira..." etc.
O número exagerado de vocativos cansa e chateia. A toda hora
alguém diz: "Não é, delegado?",
"Já prendeu o suspeito, doutor?", "Como vai a investigação,
Barone?" ou "O senhor me chamou, delegado?". O cargo aparece várias vezes em quase todas as páginas... como se Luxardo quisesse cravar essa informação na cabeça do leitor.
Caminhos da investigação
No trabalho investigativo, o
personagem-narrador demonstra conhecimento e objetividade. Sabe quais provas são
importantes e conhece os caminhos por onde conseguir.
Valendo-se de peritos, objetos
encontrados, testemunhas e
subordinados, Barone avança
como um torpedo para a revelação do assassino.
Algumas provas parecem
simples e fáceis, oportunas demais -é o caso da arrumadeira
que flagra seu patrão de mãos
dadas com a amante, ou a cicatriz no ventre de uma das vítimas-, mas isto não chega a
comprometer o thriller.
Autores de renome e até sem
nome nenhum já perpetraram
e perpetram o mesmo pecado.
Um bom exemplo é Edgard
Wallace.
Se a qualidade mais alta do livro é a criação do suspense,
creio que seu ponto mais baixo
é justamente o desfecho. Autores de policiais têm obrigação
de esclarecer de maneira simples o bastante o mistério que
estabeleceram, como bem demonstra o discurso do psicólogo nas cenas finais de "Psicose".
O "relatório" que Barone apresenta ao secretário da Segurança é claramente parcial.
JOAQUIM NOGUEIRA é delegado aposentado
da Polícia Civil de São Paulo, autor de "Informações sobre a Vítima" e "Vida Pregressa", ambos
publicados pela Companhia das Letras
A MORTE É UM NÚMERO PAR
Autor: Alan Luxardo
Editora: Rocco
Quanto: R$ 29 (192 págs.)
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