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DRAUZIO VARELLA
Erradicação da poliomielite
Se em 1977 eliminamos a varíola, por que não conseguiríamos o mesmo com a pólio?
A VACINA Sabin contra a poliomielite foi um marco na história da humanidade.
Existem duas vacinas contra a poliomielite: a vacina Salk, que emprega vírus mortos administrados por
via injetável, e a Sabin, preparada
com vírus vivos atenuados, passíveis
de administração oral.
Introduzida em 1962, a vacina Sabin mostrou-se mais eficaz nas campanhas de vacinação em massa pela
comodidade da via oral e pelo fato de
o vírus atenuado nela contido ser excretado nas fezes, podendo conferir
imunidade aos não-vacinados que
entrem em contato com ele nas regiões de saneamento precário.
Um programa regional de erradicação da poliomielite foi iniciado
nas Américas em 1985, com base na
criação dos dias nacionais de vacinação para crianças com menos de cinco anos e na supervisão médica de
todos os casos de paralisia aguda em
menores de 15 anos, com a finalidade de detectar novos surtos.
Como conseqüência, o último
diagnóstico de pólio no Brasil foi feito em 1990, e o último caso endêmico ocorreu no Peru, em 1991. Oficialmente, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) declarou a poliomielite erradicada das Américas em 1994
e da Europa em 1999.
Esses resultados motivaram a
OMS a lançar, em 1988, um programa de erradicação global, com o objetivo de pôr um fim à doença até o
ano 2000.
A pretensão era razoável: se em
1977 havíamos varrido a varíola da
face da Terra, por que não conseguiríamos o mesmo com uma doença
para a qual existe vacina e que é
transmitida de homem para homem
sem a intermediação de hospedeiros intermediários, que tantas vezes
funcionam como reservatórios naturais impossíveis de eliminar?
O tempo se encarregou de deixar
claro que a varíola foi mais fácil de
eliminar. Primeiro, porque seus
portadores são facilmente identificáveis a partir das lesões que surgem
na pele, enquanto a maioria das infecções pelo vírus da pólio são inaparentes: apenas um em cada cem a
200 infectados desenvolve a forma
paralítica da doença, mas todos eliminam o vírus nas fezes. Segundo,
porque enquanto uma única dose da
vacina contra a varíola confere imunidade em 95% a 98% das vacinações, a da paralisia infantil exige
três, quatro e, às vezes, seis doses de
reforço para a imunização.
Além disso, em 1977, quando
ocorreu o último caso de varíola, a
população mundial era de 4 bilhões,
contra os 6,2 bilhões atuais, aumento ocorrido quase exclusivamente
em países que dispõem de poucos
recursos para investir em saúde.
Quando o programa da OMS de
erradicação da pólio foi iniciado em
1988, havia 350 mil casos de paralisia infantil no mundo. Em 2005, esse número havia diminuído para
2.000, queda impressionante, mas
aquém do objetivo inicial.
Problemas sociais e políticos explicam porque os US$ 4 bilhões investidos não foram suficientes para
acabar com a doença em regiões
conflagradas como Somália, Congo,
Angola e a fronteira entre Afeganistão e Paquistão.
O caso da Nigéria é didático. Em
2003, grupos que se opõem à vacinação de crianças (que por incrível que
pareça ainda existem) lançaram
boatos de que a vacina estaria contaminada pelo vírus da Aids ou misturada com hormônios destinados a
esterilizar meninas muçulmanas, e
conseguiram suspender a vacinação
em vários Estados no norte do país.
Resultado: um ano mais tarde, o número de casos havia chegado a 800,
o dobro do ano anterior, e o vírus invadiu países vizinhos como Iêmen e
Somália.
Ao lado dessas dificuldades, há
evidências de que o vírus da pólio
possa se espalhar por vários anos
sem ser detectado. No ano passado,
pesquisadores demonstraram a presença silenciosa do vírus durante
cinco anos no Sudão, enquanto a
OMS considerava o país como área
livre da doença. A poliomielite ainda
persistirá por muitos anos?
Isao Arita, pesquisador que participou com distinção das campanhas
contra a varíola, considera mais realista admitirmos que a estratégia de
erradicação deve ser substituída pela de "controle efetivo". Segundo ele,
a prioridade é manter as medidas de
emergência atuais para limitar a disseminação do vírus na África, Oriente Próximo, Índia e Indonésia.
Ficaremos livres de vacinar nossos filhos contra a poliomielite, como aconteceu com a vacinação anti-variólica?
Tão cedo, não. Mesmo depois de
surgir o último caso, será difícil garantir que o vírus tenha de fato desaparecido. Um retorno dele num
mundo de crianças não-imunizadas
provocaria uma tragédia.
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