São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2008

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Crítica/"Versátil"

Em vez de agonizar, Nelson revitaliza obra em disco

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA REPORTAGEM LOCAL

Como o xará Cavaquinho, Nelson Sargento não prima por uma grande voz, e sim pela maneira única com que interpreta suas canções, também marcadas por um toque bem peculiar. "Versátil" é um belo retrato disso.
Nelson sai do ramerrame de "Agoniza Mas Não Morre" -se depender dos taxidermistas travestidos de samaritanos, os sambistas passam a vida cantando as mesmas coisas- e mostra várias boas novidades.
As mais notórias são as variações de gênero. A valsa instrumental "Rosa Maria, Flor Mulher", parceria com Wagner Tiso e interpretada pelo pianista, é muito bonita. O sutil bolero "Bálsamo" canta o amor realizado ("Eu me encontrei quando encontrei você"). E o fox "Primeiro de Abril" -com guitarra, sax e outros rigores do gênero- brinca com o amor realizado apenas em sonho, mentira apropriada à data-título.
Mas a melhor das variações é a marcha-rancho "Amar Sem Ser Amado", uma das quatro parcerias com Agenor de Oliveira presentes no CD e ótimo exemplar desse estilo em que a tristeza não balança, mas arrasta o pé. "É preferível dar ponto final a este amor imortal", diz a letra, num oximoro inspirado.
Mostrando que já está acima de certas pequenezas, Nelson rompe o pacto (a imposição, na verdade) que há nas escolas de samba de não se gravar composições que foram derrotadas em quadra e apresenta o belo "Século do Samba", que a Mangueira desprezou para o Carnaval de 1999. E apresenta num andamento à antiga, não no desenfreado dos tempos atuais.
O resto é samba mesmo, ainda que possa ser samba-choro ("Acabou Meu Sossego") ou samba-canção ("Ídolos e Astros"). E aí predominam a temática do amor e um olhar desencantado e/ou moralista, como reza a tradição.
São, por exemplo, as "ilusões perdidas" de "Nas Asas da Canção" (parceria com Dona Ivone Lara que ganha o famoso contracanto dela); a ingratidão cantada com dor e humor ("Até na falsidade é melhor ser verdadeiro") em "Parceiro da Ilusão"; a lembrança de que dinheiro não compra felicidade em "Pobre Milionária"; as juras sucedidas de abandono na já conhecida "Só Eu Sei"; e o lamento pela velhice na idem "Pranto Ardente".
O mais conhecido dos sambas é o sarcástico "Falso Amor Sincero". E Zeca Pagodinho faz ótima participação em "Ciúme Doentio", de Nelson e seu mestre Cartola. O CD mostra que Nelson está longe de agonizar.


VERSÁTIL
Artista: Nelson Sargento
Gravadora: Olho do Tempo
Quanto: R$ 25, em média
Avaliação: bom


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