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ARNALDO COHEN/CRÍTICA
As paixões da inteligência e a inteligência da paixão
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
"O que importa não é ter
uma idéia", dizia Brahms
aos moços que vinham lhe pedir
conselho. "O importante é o que
fazer com ela." O mais passional
dos músicos era também o mais
analítico: em peças como as "Variações sobre um Tema de Haendel" (1861), inteligência e paixão
se cruzam de modo tal que as distinções acabam. Como se ouviu
terça-feira, na interpretação de
Arnaldo Cohen, inaugurando a
primeira temporada musical do
Teatro Renaissance.
O preconceito antiracionalista é
uma das marcas da cultura racionalista do nosso tempo. No que
concerne à música, nossa tendência é bloquear a compreensão de
tudo o que não vem do coração.
Mas o coração tem razões que a
própria razão, às vezes, não desconhece. E será que um pianista
tão cultivado como Cohen não
merece ser entendido em seus
próprios termos?
Toda a inteligência da paixão se
cruza, ali, com as paixões da inteligência -sem falar nas emoções
do virtuosismo. No caso de
Brahms, por excelência, o que
mais importa, a idéia total e humana da música, só vai se deixando ver aos poucos, lá no fundo
desses caminhos cruzados. Até
chegar à grande fuga, onde não há
Arnaldo Cohen que não seja revirado pelas pressões de tanta idéia
e tanto sentimento. Acabou exaurido, e feliz.
Na empreitada civilizadora do
pianista, seu disco recente, "Brasiliana" (BIS), tem papel especial,
reunindo só compositores brasileiros, do século 18 ao 20. O repertório do disco serviu de base para
a primeira parte do concerto; mas
esta teve ordem própria, caracteristicamente original.
Exemplo: quatro valsas (de Luiz
Levy, Gnatalli, Francisco Braga e
Villa-Lobos), tocadas em bloco,
compuseram uma espécie de minisonata. O "Prelúdio" de Eduardo Dutra ligou-se às neves de
Henrique Oswald e depois ao
"Ponteio nš 49" (homenagem a
Scriabin) de Camargo Guarnieri,
formando outra homenagem, em
três movimentos, ao pequeno
grande russo. As miniaturas foram agrupadas com tanto gosto
que nem dá para pensar, agora,
em escutar o próprio disco noutra
ordem.
E a técnica? Técnica, para ele,
parece coisa de aluno. Já deixou
esse tipo de detalhe para trás. Técnica é... tocar.
Detalhe: tocar no próprio (e excelente) piano Steinway que Arnaldo Cohen carrega aonde vai,
como se fosse um violino. Faz toda a diferença, quando se pensa
no que ele fez ao final sonhador da
"Arabesque" de Schumann, ou
nas rajadas de acordes repetidos
do Brahms, ou até no dó, realmente maior, da "Congada" de
Mignone.
Então foi uma maravilha? Olha,
para ser sincero, foi quase. Ficou
faltando aquilo que só um teatro e
um público e os deuses podem
acrescentar à música. Mas era o
primeiríssimo concerto; nem os
óleos do saguão, nem as cadeiras
roxas, sabiam ainda do que se trata. De qualquer modo, foi uma
grande estréia. Uma grande idéia.
O mais importante, daqui para a
frente, é o que fazer com ela.
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