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CRÍTICA
Como uma onda no mar
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
O corpo modula, em cada
fragmento, a música de fluxos, acentos e suspensões. "Rain",
de Keersmaeker, que estreou sexta passada no Rio, é marcada por
espirais e ondas, que enchem o
palco minimalista, mas oceanicamente, ao som da "Music for 18
Musicians", de Steve Reich.
Os dez bailarinos partem de
gestos naturais para compor uma
dança instigante. Seus movimentos seguem os impulsos corporais, quebrados ou acentuados
para criar novas dinâmicas. Cada
corpo se desmonta em partes e se
recompõe, subdividindo tempo e
espaço com critérios próprios.
Tudo se dá em diálogo com a
música, que é construída em 11 seções (baseadas num ciclo de 11
acordes). A dança, de sua parte,
tem nove, organizadas segundo a
proporção áurea. Dança e a música por vezes estão em sincronia;
em outros casos, ficam sobrepostas uma à outra. O espetáculo é
circular: desde o cenário até o figurino -a cor das roupas aumenta de intensidade, do bege ao
rosa, com o passar da coreografia,
até o momento em que o próprio
chão fica rosa, e a dança começa
lentamente seu caminho de volta.
Em "Rain", Keersmaeker retorna a um trabalho mais voltado para a dança em si, menos diretamente ligada a outros elementos
(cinema, texto). A música é um
caso à parte, irmã natural da dança, na sua concepção.
É verdade que o ponto de partida do espetáculo foi o texto homônimo da escritora neozelandesa Kirsty Gunn; mas ele só está
presente, em cena, na memória
dos bailarinos. Não há transposição direta de qualquer narrativa.
O que se conta, aqui, não é da ordem das palavras. O que se diz é
preciso demais para elas. Para
Keersmaeker, não há nada de vago nas vagas da dança, e uma onda de corpos é tudo o que nos cabe, tudo o que não cabe em nós.
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