TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

O sucesso de Adam Sandler como comediante só encontra explicação no fato de o público médio americano se identificar com o seu personagem, um sujeito pacato e comum que ninguém leva muito a sério, um novo Mr. Deeds (o herói capriano revivido por Sandler em remake dos mais anódinos). Um joão-ninguém cercado por um número cada vez maior de astros e celebridades.
Em "Terapia de Choque", esse sujeito pacato, Dave, comporta-se da maneira mais normal possível, mas, como vive em uma sociedade em estado de alerta (leia-se: paranóia), seu comportamento passa a ser considerado suspeito. No avião, depois de fazer, educadamente, pela quarta vez, o mesmo pedido, Dave é algemado. "Estamos atravessando tempos difíceis em nosso país", diz a aeromoça surtada que o manda prender.
Julgado e condenado a fazer "terapia de controle de raiva", Dave vai parar na turma do doutor Buddy Rydell (Nicholson), cheia de "anger junkies" (viciados em raiva). O velho Nicholson incrementa aqui sua galeria de personagens excêntricos, mas o que mais chama a atenção no doutor Rydell é que se trata de um representante do Estado que se comporta tal e qual o Estado americano anda se comportando: aos seus pacientes recomenda a mais severa disciplina (a camisa-de-força do politicamente correto), mas, com os outros, é o primeiro a dar o mau exemplo, a agredir e a insuflar conflitos.
É claro que, em se tratando de um filme-veículo para Sandler, a sátira do sujeito comum encantonado pela insanidade do Estado não demora a refluir. Dave é convencido de que é o tipo raivoso "implosivo", que não extravasa a sua ira, e o filme aos poucos se delineia como uma comédia catártica para sujeitos reprimidos e de bom senso, como se Mr. Deeds, outrora encarnação da boa saúde da sociedade americana, estivesse também ele doente, cheio de raiva por dentro.

Tratamento de Choque
Anger Management  
Produção: EUA, 2003
Direção: Peter Segal
Com: Jack Nicholson, Adam Sandler
Quando: nos cines Extra Anchieta, Metrô Tatuapé e circuito