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Sem comer, Ebert faz livro de culinária
Há quatro anos sem poder se alimentar em decorrência de um câncer, crítico de cinema lança receitas nos EUA
"Me recordo do sabor e do cheiro de tudo, apesar de não conseguir mais sentir sabores ou cheiros", afirma
KIM SEVERSON
DO "NEW YORK TIMES"
Os primeiros minutos em
um restaurante com Roger
Ebert são incômodos.
Não porque você não consiga encontrar milhões de assuntos. Ebert, 68 anos, vem
resenhando filmes há mais
de quatro décadas. Ele estava
no carro com Robert Mitchum quando o ator ficou
chapado e se perdeu na rodovia da Pensilvânia. Foi dono
de um carro Studebaker e é
dono de um prêmio Pulitzer.
O problema é que ele não
pode comer e não pode falar.
Ele não o faz há quatro anos,
desde que um câncer lhe tomou o maxilar e que fracassaram três tentativas de reconstruir rosto e voz.
Nos primeiros momentos à
mesa, você se esforça para
não olhar para o lugar antes
ocupado pelo maxilar. Você
se pergunta qual a sensação
de receber alimentos direto
no estômago, por um tubo; e
se retrai quando a garçonete
oferece o cardápio a Ebert e
pergunta o que ele vai beber.
Mas em pouco tempo -em
uma agitação de gestos,
olhares, rabiscos em uma caderneta e apartes pacientes
de sua mulher- Ebert está
tendo uma conversa. Você
está rindo. E você pode perguntar: "Até que ponto você
sente falta de comer?".
"Passei alguns dias sem
conseguir pensar em outra
coisa senão "root beer" (bebida feita de raízes)", respondeu, aludindo às semanas
após à cirurgia no maxilar.
Ele passou também por uma
fase de fixação em doces.
REFEIÇÃO FAVORITA
E, em sua fantasia, voltava
sempre para uma refeição favorita sua servida na Steak'n
Shake, lanchonete antiquada muito apreciada no meio-oeste. Quando escreveu sobre ela, em 2009, em seu
blog, as pessoas viram que o
legendário crítico de cinema
do "Chicago Sun-Times"
também podia produzir ótimos textos sobre cozinha.
"Um garoto do interior do
Illinois adora o Steak'n Shake do jeito como um porto-riquenho adora arroz e feijão,
um egípcio, falafel, um britânico, salsichas com purê
(...)", escreveu. "Não envolve
gosto, mas a convicção profundamente arraigada de
que um alimento é absolutamente bom e sempre será."
Ebert escreve e pensa sobre comida no tempo presente. "Agora, comer para mim é
apenas no pretérito." E ele
diz que tem uma "memória
gastronômica voluptuosa"
que só se fortalece.
"Me recordo do sabor e do
cheiro de tudo, apesar de não
conseguir mais sentir sabores ou cheiros", disse Ebert.
Essa afirmação, admite
mais tarde, é um pouco
abrangente demais. Ele não
se lembra da comida de um
spa francês, nem da última
refeição que comeu. Porque
quem poderia saber que os
cirurgiões não seriam capazes de resolver tudo?
Mas ele se recorda de tudo
sobre a comida do Steak'n
Shake. No hospital, contou
que comia refeições de lá
mentalmente, uma bocada
por vez. Mesmo assim, sente
mais falta do companheirismo e da conversa à mesa.
"Sinto saudades das piadas, fofocas, dos risos, das
discussões e das memórias
compartilhadas", escreveu.
O comer, propriamente dito, não passa de um acessório. Qualquer pessoa que já
tenha feito um jantar que foi
um sucesso sabe disso. Mas a
comida -o que diz respeito a
cozinhar e compartilhar-
ainda significa tanto para Roger Ebert que ele lança um livro de receitas este mês.
O título: "The Pot and How
to Use It: The Mystery and
Romance of the Rice Cooker"
(a panela e como usá-la: o
mistério e romance da panela de arroz), pela Andrews
McMeel Publishing, a US$
14,99 na Amazon.
Como pode um sujeito que
não tem língua escrever uma
receita? "Está tudo na experiência", ele escreve. "Já usei
a panela tantas vezes que sei
que gosto terá o que preparo
nela, obrigatoriamente."
A maioria das receitas saiu
da cabeça de Ebert, de amigos e de um grupo de leitores
de seu blog. "O blog me abriu
um mundo novo, exatamente quando eu precisava", diz.
Dorothy O'Brien, que editou o livro, enviou as receitas
a degustadores para colocar
ordem na coleção. Mas não
havia muito a ser feito no texto. Estava quase perfeito. O livro, diz ela, "é mais sobre sua
filosofia da comida, das razões pelas quais comemos"
Tradução de Clara Allain
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