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TELEVISÃO/CRÍTICA
Escrachada, "Bang Bang" ainda tem muito a evoluir
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em plena campanha pelo desarmamento, estreou na noite de anteontem "Bang Bang", a nova novela das sete da Rede Globo. O texto é de Mário Prata, com
a ajuda de uma turma de jovens
escritores encabeçada por seu filho, Antonio. A promessa é de humor inteligente no ar.
O primeiro capítulo é tosco. Um
desenho animado introduz a história. A abordagem não-realista
suporta um festival condensado
de tiros e mortes coalhado de alusões a clássicos do gênero norte-americano.
Temos a impressão de reconhecer personagens de Sergio Leone;
presenciamos silêncios significativos e trocas de olhares entre vítimas e algozes logo seguidos por
disparos fatais. A violência impera no Oeste da animação.
O mesmo não pode ser dito do
Oeste de carne e osso que emerge
dessa rápida introdução. Aqui o
clássico assalto à diligência é repelido sem produzir nem uma morte sequer.
O mocinho leva um tiro que
causa apenas um providencial ferimento no ombro. Os bandidos
derrotados, mas não aniquilados,
escapam logo em seguida. Nesse
Oeste da novela há namoro explícito, muita família e poucos tiros
certeiros.
A seqüência de créditos retoma
a linguagem figurada da abertura,
desta vez com uma simpática animação de bonecos Playmobil.
"Bang Bang" destoa de tudo que
está sendo exibido na TV atualmente. A novela acontece em lugar indefinido, uma recriação
brasileira do universo mítico
americano. Os espaços de uma
autêntica cidade cenográfica são
ideais para brincadeira.
Cavalos, paisagem, construções
e figurinos fazem referência a um
tempo passado talvez nos rebeldes anos 60. É a época de "Era
uma Vez no Oeste", de "Yellow
Submarine" (que nomeia a diligência em pleno deserto). É também a época em que se passa "Estúpido Cupido", a mais célebre telenovela de Prata.
Mas o mar não está para peixe.
Coincidência ou não, o título
"Bang Bang", em plena polêmica
sobre o desarmamento, torna a
associação inevitável.
A novela parece timidamente
correta diante dos descontroles
políticos do Brasil de hoje. Às vésperas do referendo sobre o controle do comércio de armas, depois de meses de uma constrangedora crise política que ameaça terminar em pizza, a propaganda do
SIM e do NÃO traz à tona histórias tenebrosas.
Não há páreo para a seqüência
de pais e mães que choram seus filhos mortos em acidentes com armas de fogo ou em crimes hediondos. Alguns emocionados
concluem pelo sim, outros pelo
não. A eles se juntam políticos,
parlamentares e artistas na propaganda e no jornal. Seus discursos contribuem para acentuar a
sensação de descontrole, de ausência de domínio legal sobre a
força, condição constitutiva do
Estado de Direito.
Primeiro capítulo de novela é
esquisito. Quem assistiu a história
que terminou na semana que passou vive ainda uma espécie de vazio que não quer ser preenchido
por uma nova trama. Há sempre
uma certa dose de frieza no início.
O escracho pode vir a ser uma
ótima via de comentário. Mas
"Bang Bang" tem muito o que incrementar para chegar na panacéia prometida.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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