São Paulo, quarta-feira, 05 de outubro de 2005

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TELEVISÃO/CRÍTICA

Escrachada, "Bang Bang" ainda tem muito a evoluir

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em plena campanha pelo desarmamento, estreou na noite de anteontem "Bang Bang", a nova novela das sete da Rede Globo. O texto é de Mário Prata, com a ajuda de uma turma de jovens escritores encabeçada por seu filho, Antonio. A promessa é de humor inteligente no ar.
O primeiro capítulo é tosco. Um desenho animado introduz a história. A abordagem não-realista suporta um festival condensado de tiros e mortes coalhado de alusões a clássicos do gênero norte-americano.
Temos a impressão de reconhecer personagens de Sergio Leone; presenciamos silêncios significativos e trocas de olhares entre vítimas e algozes logo seguidos por disparos fatais. A violência impera no Oeste da animação.
O mesmo não pode ser dito do Oeste de carne e osso que emerge dessa rápida introdução. Aqui o clássico assalto à diligência é repelido sem produzir nem uma morte sequer.
O mocinho leva um tiro que causa apenas um providencial ferimento no ombro. Os bandidos derrotados, mas não aniquilados, escapam logo em seguida. Nesse Oeste da novela há namoro explícito, muita família e poucos tiros certeiros.
A seqüência de créditos retoma a linguagem figurada da abertura, desta vez com uma simpática animação de bonecos Playmobil.
"Bang Bang" destoa de tudo que está sendo exibido na TV atualmente. A novela acontece em lugar indefinido, uma recriação brasileira do universo mítico americano. Os espaços de uma autêntica cidade cenográfica são ideais para brincadeira.
Cavalos, paisagem, construções e figurinos fazem referência a um tempo passado talvez nos rebeldes anos 60. É a época de "Era uma Vez no Oeste", de "Yellow Submarine" (que nomeia a diligência em pleno deserto). É também a época em que se passa "Estúpido Cupido", a mais célebre telenovela de Prata.
Mas o mar não está para peixe. Coincidência ou não, o título "Bang Bang", em plena polêmica sobre o desarmamento, torna a associação inevitável.
A novela parece timidamente correta diante dos descontroles políticos do Brasil de hoje. Às vésperas do referendo sobre o controle do comércio de armas, depois de meses de uma constrangedora crise política que ameaça terminar em pizza, a propaganda do SIM e do NÃO traz à tona histórias tenebrosas.
Não há páreo para a seqüência de pais e mães que choram seus filhos mortos em acidentes com armas de fogo ou em crimes hediondos. Alguns emocionados concluem pelo sim, outros pelo não. A eles se juntam políticos, parlamentares e artistas na propaganda e no jornal. Seus discursos contribuem para acentuar a sensação de descontrole, de ausência de domínio legal sobre a força, condição constitutiva do Estado de Direito.
Primeiro capítulo de novela é esquisito. Quem assistiu a história que terminou na semana que passou vive ainda uma espécie de vazio que não quer ser preenchido por uma nova trama. Há sempre uma certa dose de frieza no início.
O escracho pode vir a ser uma ótima via de comentário. Mas "Bang Bang" tem muito o que incrementar para chegar na panacéia prometida.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP

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