São Paulo, Sexta-feira, 05 de Novembro de 1999
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"SEUS AMIGOS, SEUS VIZINHOS"
Filme fácil aborda tristezas da vida sexual

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

A história de "Seus Amigos, Seus Vizinhos" pode ser resumida à de dois casamentos infelizes e um feliz. Infelizes são os de Mary (Amy Brennenam) com Barry (Aaron Eckhart) e o de Jerry (Ben Stiller) com Terri (Catherine Keener). Feliz é apenas o casamento de Cary (Jason Patric) consigo mesmo.
No centro desses casamentos existe, naturalmente, o desejo. Ou antes, as complicações do desejo.
Terri é frígida, o que desespera seu marido. Este dará em cima de Mary, cujo marido, Barry, entende que ele mesmo é seu melhor parceiro sexual e opta pela masturbação.
Cary, por sua vez, gasta a maior parte de seu tempo em exercícios aeróbicos, em ensaios gravados de futuras transas e em cantadas grosseiras.
É um tanto difícil discernir onde o diretor-roteirista Neil LaBute pretendia chegar com essa ciranda amorosa entre seres absolutamente incapazes de abordar a sexualidade de forma minimamente eficaz.
Existe, é claro, a diferença entre imagem pública e vida privada. Nenhum deles é psicopata (pelo menos isso), todos aparentam a normalidade e mesmo a felicidade que, na intimidade, não existe. Como a dizer que, diante da sexualidade, somos todos seres indefesos. Mas essa é uma chave desgastada, para dizer o mínimo.
Um filme como "Denise Está Chamando", de poucos anos atrás, conseguia com mais eficiência retratar um mundo em que as pessoas só se comunicam indiretamente, por telefone, mas nunca conseguem se encontrar: essa solidão povoada por internet, walkman, discman, vídeo, TV etc. talvez seja de fato característica de nossa época, pelo menos nas grandes metrópoles.
E "Denise", em todo caso, não se pretendia diretamente realista, pelo contrário: é o absurdo da situação que termina por nos seduzir e nos identificar com as questões tratadas. Para dizer isso ao espectador, não trapaceia com a oposição entre realidade e aparência.
E por que essa oposição tende à trapaça? Porque o cinema é, por natureza, uma arte da aparência, da superfície. Seus momentos de glória não consistem em mostrar que o real e o aparente são coisas diferentes, o que é óbvio, mas exatamente o inverso: encontrar os momentos em que o real está contido no aparente, no visível, e mostrá-los.
Existe, no entanto, uma oposição pertinente, brandida por LaBute num folheto comercial do filme. Diz ele que espera levar o público a uma situação de desconforto, dado o realismo com que representa situações "hilariamente reais".
Dá para pensar o oposto: esse "real", na medida em que se mostra caricato (bem mais do que hilariante) tende a instalar o espectador num certo conforto. A errância do desejo (um bem universalmente partilhado) aqui parece ser sempre, necessariamente, um problema alheio.
Somos jogados no interior dessa questão na condição de "voyeurs", como se assistíssemos a uma sessão de psicanálise de grupo, mas, raramente -já para não dizer nunca- , somos concernidos por ela. Vemos os outros -e talvez alivie saber que outros têm dificuldades nessa área-, mas nem por isso chegamos a distinguir em que esse espetáculo deprimente nos ajudaria a chegar a algum lugar.
Com isso, "Seus Amigos, Seus Vizinhos" afirma-se como um filme simpático, sem dúvida, mas ao mesmo tempo inócuo e facilmente esquecível.


Avaliação: 


Filme: Seus Amigos, Seus Vizinhos Título original: Your Friends and Neighbours Produção: EUA, 1998, 99 min.
Direção: Neil LaBute Com: Amy Brenneman, Aaron Eckhart, Ben Stiller, Catherine Keener Quando: a partir de hoje, nos cines Espaço Unibanco 2, SP Market 6 e circuito


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