São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2003 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
1910 - 2003 Rachel de Queiroz Morre, aos 92, pioneira das letras brasileiras
DA REPORTAGEM LOCAL DA SUCURSAL DO RIO Autora de muitos pioneirismos, Rachel de Queiroz morreu ontem, por volta das 6h, no Rio de Janeiro. A escritora e jornalista cearense, que faria 93 anos no próximo dia 17, sofreu um infarto enquanto dormia. Integrante do primeiro time das letras brasileiras desde 1930, quando espantou críticos de todo o país com seu romance "O Quinze", que publicou com 20 anos incompletos, Queiroz trabalhou até os últimos meses. "Rachel era uma mulher para a qual nunca houve espaços fechados", disse ontem o presidente da Academia Brasileira de Letras, Alberto da Costa e Silva. Titular da cadeira número 5 da ABL, ela foi a primeira mulher a entrar na instituição, em 1977. Não foi o primeiro espaço "aberto" pela escritora de "Memorial de Maria Moura" (1992), seu sexto e último romance, adaptado com sucesso para a TV em 1994. "Ela era uma mulher absolutamente surpreendente", ressaltou a crítica literária, editora e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Heloisa Buarque de Hollanda. "Ela se divorciou quando nenhuma mulher se divorciava, fez sempre rigorosamente o que quis. As personagens de Rachel são figuras de mulheres fortíssimas e determinadas a desenhar o seu caminho, como ela desenhou o seu." O primeiro "desenho" foi mesmo "O Quinze", que a escritora publicou às suas custas. O romance, que terá neste mês a sua 70ª edição, pela editora Arx, foi dos primeiros a tratar com vigor, e de um ponto de vista regionalista, os problemas sociais do país. Seu engajamento não ficou só dentro da ficção. "Ela teve uma militância política precoce quando se filiou à esquerda, no Partido Comunista", lembrou ontem o governador do Ceará, Lúcio Alcântara (PSDB), que a classificou como a maior figura das letras cearenses. A atuação político-literária foi lembrada também por Moacyr Scliar. "Ela faz parte dessa geração de 30 que reúne nomes como Jorge Amado e Graciliano Ramos, introdutores do realismo engajado no Brasil", disse o escritor e colunista da Folha. Para o presidente do Senado e acadêmico José Sarney, amigo da escritora por 50 anos, Queiroz era "uma mulher de vanguarda, tanto do ponto-de-vista político, quanto do ponto-de-vista da inserção no espaço social. Foi uma figura importante na renovação da nossa literatura." O também romancista lembra da amiga como uma mulher "com ar sutil, muito feminino e ao mesmo tempo muito firme". Segundo ele, Queiroz usava a ironia para fazer uma crítica velada das pessoas. "Ela tinha o gosto pela convivência e era uma extraordinária contadora de histórias." Essa habilidade narrativa não ficou só nos romances. Cronista prolífica, colaboradora do "O Diário de Notícias", da revista "O Cruzeiro", da Folha (entre 1947 e 1950) e recentemente do "O Estado de S. Paulo", ela publicou ainda peças de teatro, como "Lampião" e "A Beata Maria do Egito", além de literatura infanto-juvenil. A editora José Olympio, por onde publicou quase todos os seus livros -e para a qual ela estava voltando, segundo sua irmã Maria Luisa de Queiroz Salek, 75- publicara recentemente o infantil "Memórias de Menina". Esse lado "menina" é o último que ficou dela, segundo sua secretária. Rosita Ferreira de Souza, 63, passou a última noite ao lado de Queiroz, conversando. "Ela estava com muita vontade de ir para o Ceará. Dizia que quando estivesse mais fresquinho iria para lá", contou a secretária. "Não sentiu dores, não se queixou, não deu um ai. Morreu com os olhos fechados, bonitinha mesmo que ela era", disse Souza, que a conheceu há 50 anos e era descrita pela família como "anjo da guarda da escritora". O corpo de Rachel de Queiroz começou a ser velado no início da tarde no Salão dos Poetas Românticos, na sede da ABL, no Rio. O enterro será hoje às 9h, no mausoléu da família Queiroz, no cemitério São João Batista (RJ). O Ministro da Cultura, Gilberto Gil, não estará presente, mas mandou uma mensagem para a família da escritora. "Com seu desaparecimento, a literatura e a cultura brasileira ficam empobrecidas, restando-nos o consolo de sua obra imortal". Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Terra natal decreta três dias de luto Índice |
|