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São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2003

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1910 - 2003
Rachel de Queiroz


Morre, aos 92, pioneira das letras brasileiras

Eder Chiodetto
A escritora Rachel de Queiroz na fazenda Não me Deixes, em Quixadá (CE), em outubro de 98



Autora do clássico "O Quinze", de 1930, cearense renovou regionalismo brasileiro e injetou engajamento na literatura nacional


DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DO RIO

Autora de muitos pioneirismos, Rachel de Queiroz morreu ontem, por volta das 6h, no Rio de Janeiro. A escritora e jornalista cearense, que faria 93 anos no próximo dia 17, sofreu um infarto enquanto dormia.
Integrante do primeiro time das letras brasileiras desde 1930, quando espantou críticos de todo o país com seu romance "O Quinze", que publicou com 20 anos incompletos, Queiroz trabalhou até os últimos meses.
"Rachel era uma mulher para a qual nunca houve espaços fechados", disse ontem o presidente da Academia Brasileira de Letras, Alberto da Costa e Silva. Titular da cadeira número 5 da ABL, ela foi a primeira mulher a entrar na instituição, em 1977.
Não foi o primeiro espaço "aberto" pela escritora de "Memorial de Maria Moura" (1992), seu sexto e último romance, adaptado com sucesso para a TV em 1994. "Ela era uma mulher absolutamente surpreendente", ressaltou a crítica literária, editora e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Heloisa Buarque de Hollanda. "Ela se divorciou quando nenhuma mulher se divorciava, fez sempre rigorosamente o que quis. As personagens de Rachel são figuras de mulheres fortíssimas e determinadas a desenhar o seu caminho, como ela desenhou o seu."
O primeiro "desenho" foi mesmo "O Quinze", que a escritora publicou às suas custas. O romance, que terá neste mês a sua 70ª edição, pela editora Arx, foi dos primeiros a tratar com vigor, e de um ponto de vista regionalista, os problemas sociais do país.
Seu engajamento não ficou só dentro da ficção. "Ela teve uma militância política precoce quando se filiou à esquerda, no Partido Comunista", lembrou ontem o governador do Ceará, Lúcio Alcântara (PSDB), que a classificou como a maior figura das letras cearenses.
A atuação político-literária foi lembrada também por Moacyr Scliar. "Ela faz parte dessa geração de 30 que reúne nomes como Jorge Amado e Graciliano Ramos, introdutores do realismo engajado no Brasil", disse o escritor e colunista da Folha.
Para o presidente do Senado e acadêmico José Sarney, amigo da escritora por 50 anos, Queiroz era "uma mulher de vanguarda, tanto do ponto-de-vista político, quanto do ponto-de-vista da inserção no espaço social. Foi uma figura importante na renovação da nossa literatura."
O também romancista lembra da amiga como uma mulher "com ar sutil, muito feminino e ao mesmo tempo muito firme". Segundo ele, Queiroz usava a ironia para fazer uma crítica velada das pessoas. "Ela tinha o gosto pela convivência e era uma extraordinária contadora de histórias."
Essa habilidade narrativa não ficou só nos romances. Cronista prolífica, colaboradora do "O Diário de Notícias", da revista "O Cruzeiro", da Folha (entre 1947 e 1950) e recentemente do "O Estado de S. Paulo", ela publicou ainda peças de teatro, como "Lampião" e "A Beata Maria do Egito", além de literatura infanto-juvenil.
A editora José Olympio, por onde publicou quase todos os seus livros -e para a qual ela estava voltando, segundo sua irmã Maria Luisa de Queiroz Salek, 75- publicara recentemente o infantil "Memórias de Menina".
Esse lado "menina" é o último que ficou dela, segundo sua secretária. Rosita Ferreira de Souza, 63, passou a última noite ao lado de Queiroz, conversando.
"Ela estava com muita vontade de ir para o Ceará. Dizia que quando estivesse mais fresquinho iria para lá", contou a secretária. "Não sentiu dores, não se queixou, não deu um ai. Morreu com os olhos fechados, bonitinha mesmo que ela era", disse Souza, que a conheceu há 50 anos e era descrita pela família como "anjo da guarda da escritora".
O corpo de Rachel de Queiroz começou a ser velado no início da tarde no Salão dos Poetas Românticos, na sede da ABL, no Rio.
O enterro será hoje às 9h, no mausoléu da família Queiroz, no cemitério São João Batista (RJ). O Ministro da Cultura, Gilberto Gil, não estará presente, mas mandou uma mensagem para a família da escritora. "Com seu desaparecimento, a literatura e a cultura brasileira ficam empobrecidas, restando-nos o consolo de sua obra imortal".


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