São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

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Viola fora de moda

O compositor Edu Lobo, que faz show em SP a partir de quarta, fala sobre sua vida e sua música após o aneurisma

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Edu Lobo, 61, faz show hoje em Recife, onde ontem ganharia da Câmara dos Vereadores o título de cidadão pernambucano. Homenagem justa para esse carioca filho de pernambucanos, mas a cerimônia, o jantar com o governador e as entrevistas pouco combinam com sua discrição.
Discrição que pode aumentar depois do aneurisma cerebral que o levou, em 23 de agosto, a uma delicada cirurgia. Ele diz que sente vontade de ficar mais calado. Mas não faz drama. "Em nenhum segundo achei que ia morrer."
Embora o preço do ingresso (R$ 200) o incomode, tanta discrição combina com o pequeno Baretto, onde ele faz, a partir de quarta, temporada de duas semanas. Vai cantar músicas de toda a sua carreira, como sempre faz, voltando e voltando a sua obra, com perfeccionismo. Rigor que o põe entre os maiores compositores brasileiros. Bem menos popular do que Chico Buarque, Caetano Veloso e outros, por causa da tal discrição.
A soma das duas características o leva a um cenário "quase ideal": criar músicas em casa e comercializar na internet. Como entende pouco de comércio, só garante um dos lados: estará sempre criando. Foi no estúdio de sua casa, que ele conversou anteontem com a Folha.
 

Folha - O que mudou depois do aneurisma?
Edu Lobo -
Parece que o hard disk [memória do computador] ficou mais lento. Tem um nome ou outro que não lembro.

Folha - Mudou emocionalmente?
Lobo -
Estou com vontade de ficar meio quieto, mais calado. Eu já era assim, mas não tanto.

Folha - Você teve a sensação de estar perto da morte?
Lobo -
Não. Eu só soube do meu estado depois da cirurgia e pelo [ator] Antônio Pedro, que entrou na UTI não sei como. Ele chegou para mim, com uma cara assustada, e perguntou: "Você sabe o que tem? Aneurisma". Aí eu falei: "Como você sabe?". "Está em todos os jornais." Eu levei um susto. E realmente as pessoas estavam ligando muito, o que é estranho, e meus filhos me visitando várias vezes por dia, o que é mais estranho ainda. Em nenhum segundo achei que podia morrer.

Folha - O que significa abrir o show com "Berimbau" [de Baden Powell e Vinicius de Moraes]?
Lobo -
Tem um sentido de passeio pelo passado. Aprendi muito com o Baden: esse violão para fora, percussivo. Já não era mais a batida do João Gilberto. As pessoas aqui falam em bossa nova, depois tropicália. Baden não é bossa nova nem tropicália. Baden é Baden. É um estilista, inventou uma maneira de tocar violão.
Eu tenho certa implicância com nome de escola, porque parece que uma escola acabou e depois começou outra. Já fui chamando de inventor da MPB. Eu me senti com 270 anos. Se eu fui inventor da MPB, [Dorival] Caymmi é o quê? Tem que inventar um nome para o que ele faz? É tudo ligado. Se eu, com 19 anos, fosse tocar bossa nova naquelas casas que eu freqüentava, com Tom [Jobim], Carlinhos [Lyra], Baden, eu estava frito. Isso me levou a procurar algo diferente para sobreviver.

Folha - E, com a sua geração, parece que se cria uma divisão entre samba e MPB. Mas boa parte do que você fez não é samba?
Lobo -
Não é o samba tradicional, às vezes é o samba-bossa nova, como "Pra Dizer Adeus". Na verdade, é uma mistura de samba, baião, xaxado, mas com harmonia da bossa nova. Não tem muito como dar nome. A gente tem tanta coisa no Brasil que não vejo necessidade de pegar nada [de fora]. Aqui tem tudo o que um compositor precisa para fazer uma música legal. Não quer dizer que você não vá ouvir "coisas de fora", como se dizia. Mas, quando procuram uma música comercial que não tem nada a ver com a cidade, o país, fico sem entender.

Folha - Que música? Rock, rap?
Lobo -
Um tipo de música que não tem nada a ver com o Brasil, o Rio. Porque nós fomos chegando aqui a um nível muito sofisticado.

Folha - E você é perfeccionista...
Lobo -
Mas não acho que seja uma vantagem. O perfeccionista nunca acha que as coisas estão certas. Um certo perfeccionismo é bom, empurra para frente, mas assim, não é bom.

Folha - Como será o próximo CD?
Lobo -
Estou pensando em alugar um estúdio, gravar e depois ver se uma gravadora se interessa. Não sei se é certo ou errado, mas todo mundo caiu nisso.

Folha - Você acredita na viabilidade das pequenas gravadoras e dos selos de artistas?
Lobo -
Acho que é o que vai acontecer. Isso vai terminar na internet, com as pessoas se produzindo, saindo do mercadão das gravadoras e indo para um mercadão maior ainda, do mundo inteiro. É quase o ideal: produzir no seu estúdio, jogar na rede e começar a chegar pedidos. Supondo que seja um dólar por download: se cem mil pessoas baixam sua música, são cem mil dólares. Mas não sei como seria recolhimento de direitos autorais. Artisticamente, acho interessante.

Folha - Por que você acabou ficando nos bastidores, enquanto Chico, Caetano, Gil se tornaram muito mais populares?
Lobo -
Tem a ver com show, aparição pública. Sempre achei que existia essa profissão: compositor. Se você descobrir que eu fiquei dez anos sem fazer show, não tem problema nenhum. Se descobrir que eu fiquei dez anos sem fazer música, aí é sério.


EDU LOBO. Onde: Baretto (r. Vittorio Fasano, 88, Cerqueira César, SP, tel. 0/xx/ 11/3896-4066). Quando: de 10 a 13/11 e 17 a 20/11, às 21h. Quanto: R$ 200.


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