São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

O sexo em dois tempos

Volta e meia, leio nas folhas que os jovens de hoje estão gradativamente perdendo o interesse pela prática do sexo. São pesquisas feitas por institutos especializados e, como não sou devoto de pesquisas, sejam elas quais forem, desconfio do resultado a que chegaram. Na questão sexual, há sempre a tendência a valorizar ou a minimizar a questão. Ou se exagera, dizendo-se que somos capazes de dar oito ou dez (é o caso dos brasileiros em geral), ou tendemos à discrição, modestamente afirmando que somos normais, mas sem devoção exagerada.
Quanto aos jovens de hoje, alega-se que a facilidade dos encontros, das situações, a desinibição dos grupos e das turmas que se formam, até mesmo o encorajamento explícito da publicidade, do cinema, da música popular, todo esse caldo de libido que está no ar acaba diminuindo, pela oferta, o valor do produto, que é o sexo em si.
Li também, numa revista italiana especializada no assunto, que uma jovem de Turim, de 14 anos, depois de alguns assédios do namorado, mais ou menos da mesma idade, decidiu topar aquilo que chamou de "brincadeira". Lá pelas tantas, depois que chegaram aos finalmentes, com o rapaz caído ao lado, ela perguntou: "Então, é só isso?".
A moça deve ter lido e ouvido maravilhas a respeito, esperava cavalgar infinitamente numa coisa melhor, mais duradoura. Reduzida à realidade do orgasmo, é evidente que gostou, mas queria mais. Só isso? Ela deve ter feito péssimo juízo da humanidade. Para buscar aquele "isso", houvera guerras, massacres, expedições a regiões desoladas, duelos, falências, suicídios, enforcamentos, pragas devastadoras, poemas, canções, sem esquecer o aparato farmacológico para evitar doenças letais ou vergonhosas. E tudo isso para "isso"?
Na literatura, no teatro e no cinema, os autores, quando querem dourar a pílula, colocam ingredientes suspeitos em cena. Por exemplo, nunca entendi direito por que, nas bacanais que os cineastas nos oferecem, há sempre cachos de uvas na boca dos participantes. É um reforço para melhorar uma coisa que não precisa ser melhorada? E, se for necessário melhorar, não será um cacho de uvas que aumentará o prazer.
A mesma revista italiana entrevistou jovens durante a exibição de um filme pornô. Alguns casais entraram no clima e fizeram na platéia o que estavam vendo na tela. Marcaram uma sessão para mais tarde. A freqüência foi reduzida a menos da metade. A maioria preferiu ir comer nas lanchonetes e depois dançar numa discoteca no estilo dos anos 70, "Love Is in the Air", essas coisas que ainda fazem sucesso na Itália.
Em tempos mais remotos, no meu tempo, por exemplo, uma coisa dessas não aconteceria. Por muito menos, ficamos agarrados naqueles cinemas que exibiam filmes franceses em preto-e-branco com Viviane Romance ou Martine Carol, os mexicanos com Ninon Sevilha e Maria Antonieta Pons.
Lembro a fila que se formou e durou dias e noites para ver uma cena simbólica de sexo oral com Jeanne Moreau. Não acontecia nada, apenas a mão dela se crispava contra o lençol na hora do prazer -e houve gente que viu a cena mil vezes, numa época em que não havia VHS nem DVD em alta resolução.
Cada geração tem o que merece, acho eu. Não faz muito, nas famílias judias era comum, no dia do bar-mitzvá, quando o jovem completava 13 anos e era admitido pela sociedade adulta, assumindo seu papel na comunidade e na sinagoga, um amigo íntimo da família levar o aniversariante para um canto e, discretamente, dar algum dinheiro ao rapaz, com a recomendação de procurar a sua primeira mulher, geralmente uma prostituta, para se inaugurar na vida sexual. Hoje, não há necessidade disso. Qualquer jovem, judeu ou gentio, pode se inaugurar até antes dos 13 anos e sem necessidade de recorrer ao sexo de aluguel.
E aqui vai o depoimento pessoal. Entrei garoto para um seminário católico, querendo ser padre. Saí com quase 20, casto como as donzelas dos romances que as moças liam antigamente. A opção do bordel ainda estava em moda, a oferta era generosa; mesmo sem ser rico, podia me habilitar a um deles. A faixa de preços variava, havia puteiros cinco estrelas e de nenhuma estrela.
Veio em meu auxílio uma jovem senhora do quinto andar do prédio em que eu morava no terceiro. Era casada com um sujeito que fazia ginástica todos os dias no pátio do edifício, acho que se chamava Gusmão.
Eu já havia dado uns trancos na sra. Gusmão dentro do elevador, sabia que outros rapazes haviam feito o mesmo. A mulher topava. Quando ela soube da minha desoladora situação, decidiu cooperar. Num domingo, o marido fazia não sei quantos abdominais no áspero cimento do pátio. Fiz também meus abdominais em solo mais macio. Não fiz como a jovem de Turim que reclamou, "só isso?" Gostei tanto que repeti o isso com crescente entusiasmo.


Texto Anterior: Mostra exibe filme inédito de Bergman em sua última semana
Próximo Texto: Panorâmica - Música: Juiz suspende processo movido por RC
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.