São Paulo, sábado, 05 de novembro de 2005

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29ª MOSTRA DE CINEMA

Após dificuldades nas filmagens e "nãos" de distribuidores, cineasta é o primeiro brasileiro a vencer o evento com "Cinema, Aspirinas e Urubus"

Marcelo Gomes recebe o "sim" da Mostra

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Foram sete os anos que o cineasta Marcelo Gomes, 42, esperou para ver terminado seu primeiro longa-metragem, "Cinema, Aspirinas e Urubus" (2005).
Foram três os "nãos" que ele ouviu de grandes distribuidores brasileiros a quem propôs que lançassem seu filme nos cinemas.
Os executivos julgaram a história de dois retirantes no sertão brasileiro, em 1942 -um alemão que foge da Segunda Guerra e um nordestino que tenta escapar da seca-, sem atrativos ao público.
Foram incontáveis as vezes em que Gomes ouviu de um interlocutor incrédulo a dúvida: "Mas onde você encontrou um ator alemão [Peter Ketnath]?".
A pergunta conduzia o diretor pernambucano a outra interrogação: "Será que alguém pergunta ao Fernando Meirelles onde ele encontrou [o ator inglês] Ralph Fiennes [protagonista de "O Jardineiro Fiel", terceiro longa de Meirelles]?".
Foram todas essas lembranças que brotaram, juntas e superpostas, na razão e na emoção de Gomes, quando ele ouviu "Cinema, Aspirinas e Urubus" ser declarado vencedor da 29ª Mostra de SP, anteontem, na cerimônia de encerramento do festival, no Memorial da América Latina.
Pela primeira vez, um filme nacional vencia a disputa, na decisão de um júri insuspeito de patriotadas. Eram seis especialistas estrangeiros -da Argentina, Áustria, França, Portugal, Suécia e Suíça- e dois brasileiros -o homem do mundo Fernando Meirelles e o respeitado jornalista e escritor Zuenir Ventura.
Embora "tudo tenha passado pela cabeça", Gomes não mencionou as memórias duras em seu agradecimento. Com frases pausadas, que sufocavam soluços esboçados, disse: "Eu queria ganhar um prêmio de melhor filme só para uma coisa, para dedicá-lo à minha equipe".
No palco, o fotógrafo Mauro Pinheiro Jr., o diretor de arte Marcos Pedroso e a produtora Sara Silveira aplaudiam. O diretor concluiu: "São co-autores comigo".
Demasiadamente singelo? Não. Era a recusa consciente do cineasta de ceder ao (paralisante) triunfo do rancor. "Se eu guardar rancores, não faço mais nenhum filme", disse Gomes à Folha.
Igualmente econômico em palavras foi o documentarista Eduardo Coutinho, 72, ao receber o Prêmio Humanidade, homenagem à sua carreira. "Quem fala demais fica besta. Então, muito obrigado. É só isso."
Quem assistiu na Mostra ao mais recente filme de Coutinho, "O Fim e o Princípio", sabe que a frase é referência ao que diz um dos entrevistados.
Sutilmente, Coutinho, chamado ao palco como "mestre", deixou claro que continua aprendendo com seus interlocutores do mundo real. O balanço da 29ª Mostra é de não poucas lições.


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