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33ª MOSTRA DE SP
Fotógrafo inventa novo sistema de iluminação
Equipamento criado por Christian Berger, parceiro de Michael Haneke, liberta o set de cabos e imensos refletores
Trabalho dos atores em "A Fita Branca", ganhador da Palma de Ouro em Cannes, está ligado a método desenvolvido pelo austríaco
ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL
Por trás dos sentimentos
perturbadores despertados pelo cinema do diretor austríaco
Michael Haneke está um senhor de ralos cabelos brancos,
fala pausada, cachimbo entre
os lábios. Não fosse a fotografia
do austríaco Christian Berger,
64, não seria a mesma a atmosfera de filmes como "A Professora de Piano", "Caché" e "A Fita Branca", vencedor da Palma
de Ouro na última edição do
Festival de Cannes.
Berger é daqueles inventores
afeitos a estudar leis da física e
a manipular pequenas peças. A
convite da mostra, ele veio a
São Paulo ministrar duas oficinas. Não veio sozinho. Com o
fotógrafo, desembarcaram três
contêineres com um refletor de
aparência discreta e uma série
de rebatedores que, vistos em
conjunto, fazem surgir, em
olhos leigos, um grande ponto
de interrogação.
Por que tanto interesse dos
profissionais em torno de placas metálicas de superfícies variadas e de pequenas peças que
parecem enfeite de Natal?
"Por ser fotógrafo, ele desenvolveu um sistema que qualquer fotógrafo procura", responde José Roberto Eliezer,
um dos mais requisitados diretores de fotografia do cinema
brasileiro, presente à oficina
ministrada na última segunda-feira na Cinemateca Brasileira,
em São Paulo. Eliezer, que trabalha num espectro que vai de
"Se Eu Fosse Você" a "O Cheiro
do Ralo", resume o feito de Berger: "Com esse equipamento,
podemos deixar o set livre".
Por mais que a tecnologia tenha evoluído e o digital seja
anunciado como a nova panaceia, a luz é, ainda, um desafio e
tanto para cineastas e fotógrafos. "Sempre tento deixar refletores fora do set, fazendo a luz
passar pela janela, por exemplo", diz Jacob Solitrenick, fotógrafo de filmes como "Saneamento Básico". "Usamos espelhos pesados, isopor, vela, vamos buscando soluções", diz.
Berger, por sua vez, trata com
simplicidade o invento. "Cheguei a essa luz pela observação
da natureza, que é simples, tem
pequenas nuances", explica,
enquanto mostra, numa tela, o
efeito do sol batendo num prédio. "Vocês verão, nos meus filmes, que uso muito a luz no
chão. Por que? Porque isso
acontece na natureza o tempo
todo. Observe e você verá o facho de luz que atravessa a janela e cria algum efeito", diz,
aproximando o espectador do
sentido de seu ofício, definido
por Vittorio Storaro (fotógrafo
de "Apocalipse Now") como a
"escrita com luz".
Berger soube suavizar essa
escrita. Seu refletor, trocando
em miúdos, produz uma fonte
de luz paralela, que não se espalha pelo ambiente. Entram então em cena os rebatedores
que, com mínimos movimentos, tornam um rosto mais
sombrio ou mais vivaz.
Para localizar no tempo o invento, Berger mostrou cenas
antigas. Ao ver os 100 quilos de
refletores seguindo um só cavalo, para iluminá-lo, é mais fácil
entender os efeitos das pequenas placas. Dificilmente, como
declarou Haneke, as crianças
conseguiriam surgir tão naturais em "A Fita Branca" (com
estreia programada para 2010)
se houvesse imensos refletores
a encará-las. É assim, de maneira invisível, e ao mesmo tão
perceptível, que o invento de
Berger chega até nós.
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