São Paulo, quinta-feira, 05 de novembro de 2009

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33ª MOSTRA DE SP

Fotógrafo inventa novo sistema de iluminação

Equipamento criado por Christian Berger, parceiro de Michael Haneke, liberta o set de cabos e imensos refletores

Trabalho dos atores em "A Fita Branca", ganhador da Palma de Ouro em Cannes, está ligado a método desenvolvido pelo austríaco

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Por trás dos sentimentos perturbadores despertados pelo cinema do diretor austríaco Michael Haneke está um senhor de ralos cabelos brancos, fala pausada, cachimbo entre os lábios. Não fosse a fotografia do austríaco Christian Berger, 64, não seria a mesma a atmosfera de filmes como "A Professora de Piano", "Caché" e "A Fita Branca", vencedor da Palma de Ouro na última edição do Festival de Cannes.
Berger é daqueles inventores afeitos a estudar leis da física e a manipular pequenas peças. A convite da mostra, ele veio a São Paulo ministrar duas oficinas. Não veio sozinho. Com o fotógrafo, desembarcaram três contêineres com um refletor de aparência discreta e uma série de rebatedores que, vistos em conjunto, fazem surgir, em olhos leigos, um grande ponto de interrogação.
Por que tanto interesse dos profissionais em torno de placas metálicas de superfícies variadas e de pequenas peças que parecem enfeite de Natal?
"Por ser fotógrafo, ele desenvolveu um sistema que qualquer fotógrafo procura", responde José Roberto Eliezer, um dos mais requisitados diretores de fotografia do cinema brasileiro, presente à oficina ministrada na última segunda-feira na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Eliezer, que trabalha num espectro que vai de "Se Eu Fosse Você" a "O Cheiro do Ralo", resume o feito de Berger: "Com esse equipamento, podemos deixar o set livre".
Por mais que a tecnologia tenha evoluído e o digital seja anunciado como a nova panaceia, a luz é, ainda, um desafio e tanto para cineastas e fotógrafos. "Sempre tento deixar refletores fora do set, fazendo a luz passar pela janela, por exemplo", diz Jacob Solitrenick, fotógrafo de filmes como "Saneamento Básico". "Usamos espelhos pesados, isopor, vela, vamos buscando soluções", diz.
Berger, por sua vez, trata com simplicidade o invento. "Cheguei a essa luz pela observação da natureza, que é simples, tem pequenas nuances", explica, enquanto mostra, numa tela, o efeito do sol batendo num prédio. "Vocês verão, nos meus filmes, que uso muito a luz no chão. Por que? Porque isso acontece na natureza o tempo todo. Observe e você verá o facho de luz que atravessa a janela e cria algum efeito", diz, aproximando o espectador do sentido de seu ofício, definido por Vittorio Storaro (fotógrafo de "Apocalipse Now") como a "escrita com luz".
Berger soube suavizar essa escrita. Seu refletor, trocando em miúdos, produz uma fonte de luz paralela, que não se espalha pelo ambiente. Entram então em cena os rebatedores que, com mínimos movimentos, tornam um rosto mais sombrio ou mais vivaz.
Para localizar no tempo o invento, Berger mostrou cenas antigas. Ao ver os 100 quilos de refletores seguindo um só cavalo, para iluminá-lo, é mais fácil entender os efeitos das pequenas placas. Dificilmente, como declarou Haneke, as crianças conseguiriam surgir tão naturais em "A Fita Branca" (com estreia programada para 2010) se houvesse imensos refletores a encará-las. É assim, de maneira invisível, e ao mesmo tão perceptível, que o invento de Berger chega até nós.


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