|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.
"SP é laboratório do modernismo"
Jacques Herzog diz que projetou teatro pensando na fusão com o entorno proposta por Lina Bo Bardi e Niemeyer
"Essa ilusão do homem de construir num paraíso, integrar seres humanos, natureza e tecnologia, tem frescor chocante", diz Herzog
DA REPORTAGEM LOCAL
Enquanto ouvia críticas a seu
projeto num debate da Bienal
de Arquitetura, Jacques Herzog tinha o rosto imóvel, congelado numa expressão entre enfado e fascínio. Escaneava a
plateia com uma espécie de
olhar ciclópico, costas rígidas e
mãos, duras, sobre a mesa.
Um colega de debate chamou
a ideia de construir o Teatro da
Dança uma "decisão de gabinete, em que a sofisticação se
opõe à carência total". Aproveitou para questionar a escolha
do escritório suíço, justificada
pelo argumento de "notório saber", que dispensou concurso
público para a obra mais cara
da secretaria de Cultura.
Naquela hora, um rapaz na
plateia levantou uma grande
faixa com a inscrição "Não à
São Paulo Cia. de Dança".
"Foi interessante ouvir todas
essas colocações", disse Herzog, pedindo que levantassem
de novo a faixa. "Mas a discussão sobre se vamos ou não
construir não recai sobre o arquiteto. Sempre tem gente querendo que as coisas fiquem do
mesmo jeito, e este projeto não
é caro porque é feito por mim, é
uma obra de educação, para dar
acesso a vários grupos sociais."
Na noite da quarta-feira passada, quando acabou o encontro na Bienal, Herzog seguiu
para a casa da artista Tomie
Ohtake, que organizou uma recepção para ele com outros nomes da lista VIP da dança e da
arquitetura na cidade. Estava
cansado, com sede e com fome.
"Preciso de uma taça de vinho tinto", disse aos anfitriões
quando chegou. Sentou à mesa
e logo trouxeram um prato de
hors d'oeuvres sortidos. Ali, reconheceu que sim, o teatro é
um "projeto para a classe alta".
"É estúpido ser politicamente supercorreto", concluiu. "É
verdade que precisam de dinheiro para a periferia, mas
nosso projeto não exclui os pobres. Dizer que é preciso cuidar
só de pobres é uma hipocrisia."
Gesticulando, alternando entre inglês e espanhol, mastigando com avidez os canapés, dizia
que com este projeto São Paulo
vai se tornar mais comparável a
Londres, Paris. "Ao Rio", acrescentou o secretário estadual da
Cultura, João Sayad, que ouvia
a conversa perto da mesa.
Laboratório moderno
Mas São Paulo vai chegar
mais perto das grande metrópoles culturais com traços de
sua própria arquitetura. Herzog diz que enxerga a cidade como "um laboratório onde o modernismo deixou suas marcas".
"Tem essa ilusão do homem
de construir num paraíso, a
ideia de integrar seres humanos, natureza e tecnologia",
disse o arquiteto, abrindo sua
palestra na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
no dia seguinte. "Tudo isso aqui
tem um frescor chocante."
Falou de Lina Bo Bardi, a arquiteta que fez o Masp, com seu
"sonho de casar espaços internos e externos". Dentro do prédio modernista de Vilanova Artigas, exaltou ainda mais essa
fusão entre paisagem e construção. "Queremos avançar
nessa ideia de permeabilidade,
criar fricções entre as pessoas."
Na fricção, uma aluna então
perguntou por que um arquiteto suíço precisa vir ao Brasil fazer algo que já existe no país.
Herzog respondeu dizendo
que o contrário, um prédio de
formas mirabolantes seria um
erro. "Não há nada como este
prédio na cidade, mesmo que
ele tenha ingredientes locais",
disse. "Se vocês acham que isso
é algo que já têm ou que conseguem fazer vocês mesmos, têm
um pensamento datado, de
achar que arquitetura tem a ver
com montar um espetáculo."
Repetiram a pergunta mais
tarde, num encontro com jornalistas. Herzog levou as mãos
à cabeça e respondeu: "Nada,
não estou inovando em nada.
Não estou trazendo nada a São
Paulo. Nada disso é inovador".
(SILAS MARTÍ)
Colaborou MARIO GIOIA, da Reportagem Local
Texto Anterior: Um arquiteto suíço na cidade Próximo Texto: Orçamento pode ser mais que R$ 300 mi Índice
|