São Paulo, domingo, 05 de dezembro de 2010

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Mônica Bergamo

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Irene ri

Irene Ravache rouba a cena em "Passione" , diz que casamento é amor e teimosia e abre o coração sobre a família: "Mãe de joelhos, filho de pé"

Fotos LeticiaMoreira/Folhapress
Irene Ravache em seu apartamento em Higienópolis

Ela é da turma que está "satisfeitinha" com a vida, enquanto o resto, diz, "acha que o mundo lhe deve algo". "Pra mim, tá bom." Felicidade são momentos. "Abraçar um neto, ficar em casa", resume Irene Ravache, com um sorrisão no rosto. "Tenho vocação para a felicidade."

 

Aos 66 anos, e meio século de carreira, ela "anda se esquecendo de muita coisa", mas o médico diz que é normal. "Não entendo!" Pelo telefone, tranquiliza: irá anotar na agenda a data em que dará a entrevista à repórter Lígia Mesquita, num dia de folga das gravações de "Passione" (Globo). É na trama das oito de Silvio de Abreu que ela interpreta Clotilde Yolanda Souza e Silva, a Clô.

 

Clô é a perua casada com o rei do lixo Olavo (Francisco Cuoco). Com suas frases politicamente incorretas e mostrando o amor na terceira idade, virou sucesso. "Fui pobre, não gostei e não quero ser de novo", repete a personagem, nascida na Vila Monumento, criada no Cambuci e hoje vivendo no Jardim América. Em outra cena, Clô presta condolências a Bete Gouveia (Fernanda Montenegro) pela perda do filho dela e dá "os parabéns" em vez de pêsames. "Fernanda é meu ídolo", diz Irene.

 

A atriz, assim como Clô, se mudou recentemente de casa. Continua no mesmo bairro, Higienópolis, em SP, mas agora em outro apartamento. "Adoro esse bairro. As senhoras judias são uma simpatia, me dão receitas ótimas." Casada há 39 anos com o jornalista Edison Paes de Melo, seu segundo marido, tem dois filhos e dois netos.

 

Sentada no sofá de sua casa, tomando café descafeinado, não faz planos. "Minha mãe dizia: "Fazendo hoje bem feitinho, amanhã vai estar bom também"." Entre as coisas que ganhou com a idade e que gostaria de mudar é "poder entrar numa livraria e não precisar botar os óculos para fuçar". O sorriso só sai de seu rosto ao lembrar do envolvimento de um dos filhos com as drogas. Leia um resumo da conversa:
 

Drogas em casa
Meu filho, que hoje tem 45 anos, começou a ter problemas com drogas aos 18. Demorei pra entender. Na minha época, não tínhamos informação e havia uma enorme vergonha. E quando você tem uma dor, o que tem que fazer é escancarar ela pro mundo. Mas eu olhava pra baixo. E não adianta o terapeuta dizer: "A culpa não é sua, veja bem". Veja bem você! O lado racional é esse. Mas claro que temos culpa. Tive responsabilidade, não sabia, demorei pra ver. E quando um filho tá em perigo nada mais interessa, nada é engraçado. Foi um período bem longo e faz muito tempo que acabou. Meu filho hoje trabalha numa ONG que ajuda dependentes. Da mesma forma que tenho horror às drogas, não compactuo com isso que dizem que toda a violência se deve a elas. Tem uma polícia que não é séria.

 

Forças
Não é de um lugar só que você tira forças, é de um somatório. Eu rezava para todas as religiões. Você fica um franco-atirador em termos de religião quando um filho tem problema. A Maricy Trussardi [socialite paulistana] diz uma frase maravilhosa: mãe de joelhos, filho de pé.

 

Ser avó
Já tô deixando de ser avozona. O Cadu [seu neto mais velho] tem 16 anos e vira um mico, né? Ele me bota no meu lugar. Eu falo com ele pelo MSN. Outro dia, liguei pra ele e, ao ouvir a voz de sono, só falei: "Alô, eu te amo, até logo". A Maria Luísa, nove anos, ainda me concede momentos de dengos. Mas tenho uma frustração com netos: eu me preparei para fazer bolos e brigadeiros. E os dois não gostavam de doces. Que crianças esquisitas! Como falar "não" para brigadeiro?

 

A personagem Clô
Me divirto muito com ela. Acho difícil fazer humor em TV. Porque tem muitas coisas ditas de humor em que não vejo graça. Ou são muito chapadas, ou é aquele humor pra meia dúzia. A Clô tem um mau comportamento que as pessoas gostam e que talvez até precisem. É o mau comportamento dentro do bom comportamento. É uma coisa sapeca. E tem uma coisa legal que é o casamento dela com o Olavo. Eles são mais velhos e têm vida sexual ativa, segredos de alcova.

 

Atração na terceira idade
De um modo geral toda mídia é direcionada para o jovem, o perfeito, o belo. Na novela não só é oportuno como também sai um pouco daquela ideia de que o amor, o sexo só pode acontecer quando você é perfeito. E ser perfeito é sinônimo de ser jovem e belo. Bibi Ferreira dizia que a mulher ficava invisível depois de certa idade. Concordo. Não reparam em você. E não é só após determinada idade, mas se você está fora de determinados padrões.

 

Casamento
Acho que dura muito por várias coisas. Amor é a primeira. E por teimosia e costume. Mas um costume gostoso. E porque é divertido também. Se não tiver o fator diversão fica esquisito. Eu e o Edison fomos criados com valores muito parecidos. Quando os valores são parecidos, o resto se ajeita. Nós não temos, assim, os mesmos gostos. Uma vez tinha um show da Nina Simone ao mesmo tempo de um do Guilherme Arantes. Ele foi na Nina e eu fui pegar carona na cauda do cometa.

 

Envelhecer
Se você perguntar: "Você gostaria de ter um corpo melhor?" Sim. "De ter menos rugas?" Sim. Mas isso não me deixa desesperada. Sempre me surpreendo quando sou escalada para um papel que acho que já não podia mais fazer. Sempre me acho mais velha. Eu falo [para o diretor]: você tem certeza que não quer me ver pessoalmente? Eu me acho harmoniosa. Eu não sou uma abelhinha trabalhadora, não me esforço. Sou preguiçosa, gosto de tomar um vinho, comer o brigadeiro que meus netos não comeram (risos).

 

Vaidade
Hoje é tanta oferta, tanta aplicação disso, daquilo e eu digo: a gente começa por qual? Fui fazer uma academia e o tempo todo diziam: "Que legal, vai ficar sarada agora pro verão!". Achei tão desproporcional eu, uma senhora, ouvir isso que fui embora. Na minha juventude, eu tinha que lavar, passar, varrer. Isso é a melhor academia que tem. Outra coisa: quando começou a surgir a celulite no mundo? Antes você acordava, o tempo estava bom, botava um maiô e ia ser feliz. Não pensava em peito, celulite. Eu já fiz plástica no seio, pra uso interno, e ficou bárbaro. E fiz aqui no pescoço. Mas tenho medo de mexer no rosto e virar um quadro do Picasso.

 

Jovens atores
Hoje tem jovens atrizes que são lindas e ma-ra-vi-lho-sas. Às vezes pego colegas saudosistas que dizem "porque antes era assim, assado". Fizemos coisas muito legais, mas não quer dizer que hoje não tenha coisa boa. Acho que algumas pessoas se sentem ameaçadas. Não é verdade achar que só quem é mais antigo ou fez teatro é bom. Tem um monte de gente que faz teatro e é medíocre. Acho o Gianecchini [Reynaldo, ator] ma-ra-vi-lho-so na novela. Às vezes tem gente mal escalada. Olha só que escalação maravilhosa a da Gabriela Duarte na novela.

 

Política cultural no Brasil
Uma vez fui sondada para ser secretária da Cultura de SP, pelo ex-governador Geraldo Alckmin, e disse não. Sou atriz, não sou política. Eu gosto do lado administrativo, de botar as coisas em ordem. Mas não gosto de política. E eu preciso encontrar outra forma de produzir teatro, porque a que existe no momento não corresponde a alguns princípios que eu tenho. Você manda um projeto pro Ministério da Cultura com um cálculo. Esse projeto é avaliado, por quem eu não sei, mas não é gente de teatro. E dizem que você não precisa da quantia X. Mas eu preciso. Meu objetivo na vida não é ficar driblando e buscar notas fiscais que não correspondem ao que eu vou usar. E já liguei pro Ministério da Cultura, falei meu nome e disseram: Helen o quê? Acho grave lá dentro não saberem meu nome, que tipo de produção eu faço. Da última vez que fui a Brasília, um político envolvido no mensalão me estendeu a mão. Eu não queria cumprimentá-lo. Decidi não ir mais pra lá.


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