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CRÍTICA
Mendes compõe conflito imaginário
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um helicóptero passa, riscando o céu, tocando no alto-falante um trecho de "The End", dos Doors. Swoff (o ator Jake
Gyllenhaal, em ótima atuação)
olha para seu companheiro, Troy
(Peter Sarsgaard, incansável), e
grita para a aeronave, para o nada,
algo como: "Essa música é da outra guerra!". E para o amigo, em
desabafo: "Essa guerra é tão ruim
que nem música própria tem...".
Ele se refere, é claro, à cena clássica do filme clássico "Apocalypse
Now" (1979), de Francis Ford
Coppola, em que o ensandecido
tenente-coronel Bill Kilgore (Robert Duvall) comanda seu assalto
de helicópteros a uma aldeia durante a Guerra do Vietnã (1957-1975) ao som da "Cavalgada das
Valquírias", de Wagner, em tática
que teria sido usada anteriormente pela Luftwaffe nazista.
A cena define "Soldado Anônimo", a geração dos soldados a que
o filme se refere e a guerra de que
trata, a do Golfo (1991), quando
Bush 1º colocou os iraquianos invasores do Kuwait para correr e
parou a poucos metros de derrubar Saddam (por inépcia ou sagacidade, dependendo da orientação política do interlocutor).
O terceiro longa do diretor britânico Sam Mendes, que fez carreira nos teatros, é brilhante por
isso, por não presumir nada de
antemão; prefere, em vez, seguir o
livro e o roteiro de quem esteve lá.
E ambos, o ex-combatente e roteirista William Broyles Jr. e o ex-marine e autor Anthony Swofford, estiveram lá e sabem do que
estão falando -ou escrevendo.
Do ponto de vista do soldado
norte-americano médio, chamado a lutar num conflito que não é
seu e que não entende, numa
guerra que consagrou a falácia da
"guerra cirúrgica" e da "bomba
inteligente", a Guerra do Golfo é
mesmo "ruim", no sentido de que
não oferece palco para heroísmo.
Especialmente para um soldado
como Anthony Swofford, o personagem verídico Swoff do começo, que, com o amigo Troy, forma
uma dupla de atiradores de elite.
É da frustração dos dois -melhor não revelar o motivo- que
nasce a reflexão do marine sobre
esta guerra e todas as guerras. Da
reflexão nascerá o best-seller, e do
best-seller, o filme. Os três
-guerra, livro, filme- são metafóricos, não existem sozinhos.
Os soldados em terra da Guerra
do Golfo agiam conforme as referências a seu alcance, daí a citação
provavelmente verídica que Swoff
fez de "Apocalypse Now". Para
ele, a Guerra do Vietnã não é a
Guerra do Vietnã que durou quase duas décadas e matou entre 2 e
4 milhões de pessoas. Para ele e
seus colegas, a guerra é o filme de
Coppola, a guerra de mentira que
tem até sua própria música, "The
End", e cujos soldados de mentira
também têm sua própria música,
o trecho da ópera de Wagner.
Na guerra-livro-filme há outras
referências, como a "Nascido para Matar" (1987) ou a "2001 - Uma
Odisséia no Espaço" (1968), ambos de Stanley Kubrick, especialmente na cena em que Swoff senta-se numa roda de cadáveres carbonizados. Tanta citação faz pensar no que teria vindo antes na
formação do "Homo americanus", os fatos ou a referência aos
fatos? É disso que trata Anthony
Swofford.
Sábio, Sam Mendes faz uma direção discreta, em que não pesa a
mão nos atores, mais semelhante
ao que faz com Tom Hanks em
"Estrada para Perdição" (2002)
do que com Kevin Spacey em
"Beleza Americana" (1999). É como se, a cada filme, o diretor teatral fosse cedendo espaço ao de cinema. E que grande diretor de cinema ele está virando.
Soldado Anônimo
Jarhead
Produção: EUA, 2005
Direção: Sam Mendes
Com: Jake Gyllenhaal, Peter Sarsgaard, Jamie Foxx
Quando: a partir de hoje, nos cines HSBC
Belas Artes, Villa Lobos e circuito
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