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CINEMA
Baseado em livro de ex-combatente, "Soldado Anônimo" mostra recrutas imaturos à espera de combate que não vem
Filme sem ação escancara vazio da guerra
LEILA SUWWAN
DE NOVA YORK
"Soldado Anônimo" é um filme
de guerra sem combate, sem herói, sem trama e sem mensagem
política. À primeira vista, parece
uma proposta cansativa: jovens
marines americanos sedentos de
sangue, morrendo de tédio e se
afogando em testosterona na
areia quente do deserto em 1991,
na Guerra do Golfo.
A crítica norte-americana não
recebeu bem a noção de um filme
amorfo sobre a primeira guerra
do Iraque enquanto Washington
rebola para justificar a segunda.
Para o diretor, Sam Mendes ("Estrada para Perdição", "Beleza
Americana"), a proposta é mais
complexa e a carga política do filme é propositadamente ambígua.
"As pessoas podem ficar um
pouco frustradas com um filme
que trata tão deliberadamente sobre a futilidade e flerta com a noção de uma guerra, mas não cumpre essa expectativa. Há um perigo nisso, mas, para mim, é deleite", provocou Mendes, às gargalhadas, em entrevista na véspera
da estréia norte-americana.
"Soldado Anônimo", baseado
no best-seller de Anthony Swofford "Jarhead", conta a história
do próprio autor, um garoto de 20
anos que lê Albert Camus, mergulha num treinamento militar brutalizante e praticamente enlouquece à espera de uma guerra que,
em solo, nunca acontece.
Os passatempos? Limpeza de rifle, briga de escorpiões, masturbação, bebedeira e hip hop. Numa
época de convulsão política, o filme pode não passar de um "reality show" sobre o que acontece
com recrutas desamparados e
imaturos após meses no deserto.
Sadismo
Hollywood começa a flertar
com temas políticos, ainda que
embalados para consumo em
massa. No caso de "Soldado Anônimo", a crítica só vai existir para
quem focar o vazio do filme, o humor amargo e o surrealismo inquietante, marcas de Mendes.
Um marine quer levar um cadáver iraquiano para casa como suvenir e mata camelos por diversão. Um jogo de futebol americano acaba em simulacro sexual para chocar uma jornalista. Difícil
não lembrar do sadismo da prisão
de Abu-Ghraib.
Há alusões a vacinas experimentais, ao perigo do fogo amigo,
à censura nas entrevistas com jornalistas americanos. Provocações
a uma irresponsabilidade do comando, à promiscuidade da imprensa? O fato é que os personagens não têm carisma e ninguém
vai se comover com a aflição deles: "não matei ninguém hoje".
Quem conseguir assistir até o final, ainda verá cenas absurdas:
um cavalo branco, solitário, ensopado de petróleo. Ou, diante de
uma chuva do combustível, frases
como "A terra está sangrando".
Mas algumas seqüências são
mais reflexivas e visualmente interessantes. O sargento Sykes (Jamie Foxx) delira sobre a maravilha da guerra numa visão infernal
de petróleo em chamas. Swoff, o
narrador (Jake Gyllenhaal), se
senta numa roda de corpos de soldados iraquianos carbonizados e
pergunta como foi o dia. Uma
pergunta assombra o filme: por
que os americanos estão ali?
O filme acaba expondo a perversidade e o despropósito da situação por vias tortas, correndo o
risco de exasperar demais. "Existe
uma pressão nos Estados Unidos
para definir tudo, preto no branco, mas isso é confuso. A vida é
cheia de áreas cinzentas, imagine
uma guerra", diz Mendes.
Entretenimento x reflexão
Com alusões explícitas a clássicos como "Apocalipse Now"
(Francis Ford Coppola) e "Nascido para Matar" (Stanley Kubrick), "Soldado Anônimo" se coloca em posição de humildade para evitar comparações e brinca
com a noção de que o público e os
soldados só conhecem as guerras
pela herança cinematográfica.
Para Jamie Foxx, ignorância
não é necessariamente o problema. "Você precisa deixar de lado
o que aprendeu na faculdade. O
povo perde muito tempo "ponderando", bebendo "capuccino'",
ironiza. "Sou democrata, mas,
com tanta sátira, ironia e piada, a
gente fica meio dormente. Este filme é só entretenimento."
Não é bem o que divulgam os
escritores. O autor do livro passou
dez anos refletindo antes de escrevê-lo e não esconde sua relutância
entre a insensatez da guerra e o espírito de união dos marines. O roteirista, William Broyles Jr, é veterano de guerra e tem um filho no
Iraque. Ele insiste numa aura ingênua dos soldados, que estão
apenas cumprindo ordens e "procurando seu lugar na vida".
Mas, se o filme aborrece e parece às vezes celebrar o tédio e a inutilidade, o livro é objetivamente
cru e duro. Para não contar o final
do filme, vai o do livro. Swofford
diz que o escreveu por solidão e
desespero, "um grito silencioso
de um caixão". Assume que foi à
guerra voluntariamente, mas se
envolveu numa "fucked up situation" (situação f...). "Algumas
guerras são inevitáveis e precisam
ser lutadas, mas isso não elimina
o desperdício da guerra. Desculpe-nos, devemos dizer às mães
cujos filhos vão ter mortes terríveis. Isso nunca vai acabar. Desculpas", escreve para concluir, agradecido por não ter matado.
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