São Paulo, domingo, 06 de janeiro de 2008

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Caçador de sucesso

O roteirista David Benioff fala à Folha sobre o desafio de repetir no cinema o êxito do best-seller "O Caçador de Pipas'; para o ator Khalid Abdalla, background cultural ajudou a viver protagonista

Divulgação
Os atores mirins Zekeria Ebrahimi e Ahmad Khan Mahmidzada,
que vivem Amir e Hassan na infância, na adaptação do best-seller
"O Caçador de Pipas"


EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES

O roteirista David Benioff (autor de scripts tão distintos quanto "Tróia" e o ainda inédito "Wolverine") somente se deu conta do tamanho da responsabilidade de adaptar o best-seller "O Caçador de Pipas" quando uma senhorinha, sua vizinha num vôo para Nova York, ao saber de sua incumbência, apertou-lhe o braço e alertou: "É meu romance favorito. Não mude uma palavra".
"O Caçador de Pipas", o filme, deve encontrar expectativa similar à da leitora americana quando estrear no dia 18 no Brasil, onde o romance está entre os mais vendidos desde setembro de 2005 e já vendeu mais de 1,6 milhão de cópias.
Benioff nem podia desconfiar. O roteirista havia conseguido o emprego quando apenas a primeira edição, em capa dura, tinha saído nos Estados Unidos. E a propaganda boca a boca ainda não havia transformado o livro num fenômeno editorial mundial. "Poucos meses depois de começar o roteiro recebi um e-mail de Khaled [Hosseini, autor do romance] dizendo que "nosso livrinho" estaria na lista de mais vendidos do "New York Times" no domingo", disse o roteirista em entrevista à Folha.
A Paramount, produtora do longa, claramente não quis arriscar: além de chamar um diretor aclamado pela crítica (Marc Forster, de "Em Busca da Terra do Nunca"), deu a Benioff, também romancista com talento, a tarefa da adaptação.
É dele o romance "25th Hour", levado às telas por Spike Lee como "A Última Noite", em 2002. Também era um trunfo o fato de Forster já ter dirigido um roteiro original de Benioff, "A Passagem", de 2005.
Somente a 13ª versão do roteiro de Benioff foi levada ao set de filmagens, no oeste da China, na fronteira com o Afeganistão. Um roteiro que fosse "idêntico" ao livro, diz ele, teria rendido um longa de oito horas. Sua versão, bastante fiel com pouco mais de duas horas, já rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro.
A cena mais polêmica do livro -o estupro de Hassan, uma criança da etnia hazara, que poderia ter sido evitado por Amir, um rico menino pashto- foi mantida e terminou por causar problemas para o estúdio.
Para Hosseini, a passagem de seu romance não poderia ficar de fora pois é uma importante metáfora da violência contra o Afeganistão, vítima de seguidos regimes de exceção, da invasão soviética (1979-89), aos talebãs e à ocupação das tropas americanas em 2001. Benioff afirma que, no final das contas, a versão de "O Caçador de Pipas" que chega às telas é, como o livro, menos a narrativa dos conflitos afegãos do que uma história de redenção.
"Ali está um homem que cometeu um terrível erro na infância, como muitos de nós fizemos, talvez não de modo tão dramático quanto Amir. Geralmente não temos a oportunidade de corrigir. E neste caso Amir tem a chance de voltar a Cabul e se redimir, curar as repercussões de sua covardia."

Visual
Benioff destaca o torneio de pipas e o colorido das vestimentas como elementos que ele e Forster identificaram como visualmente fortes em "O Caçador de Pipas", o livro.
Forster não se contentou com visual e quis explorar sonoridades. Boa parte dos diálogos foram traduzidos para o dari, o idioma afegão. "Marc disse que não conseguiria imaginar ver aquelas crianças empinando pipas em Cabul e falando inglês", conta o roteirista.
O papel de Amir adulto, espécie de alter ego do próprio Hosseini, que emigrou ainda criança para os EUA, coube ao ator escocês de origem egípcia Khalid Abdalla, o terrorista Ziad Jarrah de "Vôo United 93". Abdalla passou um mês em Cabul antes de começar as filmagens, teve aulas diárias de dari de até cinco horas e, escolhido depois que o livro já se tornara um sucesso, também sofreu pressão.
"Havia a responsabilidade que veio com a chance de estar no primeiro filme hollywoodiano que mostra aquela parte do mundo de outra maneira que não uma história sobre terroristas. Mas vir de um "background" de duas culturas alimentou muito a minha compreensão da história. E há semelhanças com o Egito, como a existência de uma classe servil.
Isso foi fundamental para entender as duas maiores motivações do personagem, que são o desejo de seu pai se orgulhar dele. E a relação de culpa pelo que aconteceu a Hassan."


O jornalista EDUARDO SIMÕES viajou a convite da Paramount


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