São Paulo, quinta-feira, 06 de janeiro de 2011

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OPINIÃO

Cinema se vai acompanhando o mundo a que pertenceu

UGO GIORGETTI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fato: o Cine Belas Artes vai fechar. Consequência: devo escrever alguma coisa a respeito. O quê? Lamentar? Falar daquele enclave entre a Paulista e a Consolação incorporando outros defuntos ilustres, como o bar Riviera?
Para falar a verdade, do Belas Artes lembro vagamente de um incêndio que atingiu o prédio, acho que quando ainda tinha outro nome. E lembro de Dante Ancona Lopes, salvo engano, seu fundador e programador.
Dante era daquelas figuras singulares que a cultura de São Paulo costumava produzir. Antes do Belas Artes, programou o também desaparecido Cine Coral e, durante um bom tempo, exibiu grandes filmes do cinema italiano, francês e do Leste Europeu.
Lançou "O Ano Passado em Marienbad" (1961), o enigmático filme de Alain Resnais, numa sala com cerca de 600 lugares. Ainda não existiam os chamados cinemas de arte.
No novo Belas Artes, Dante seguiu a mesma linha de programação visionária e audaciosa que geralmente acabava mal. Fui encontrá-lo, anos depois, no então Cine Rio, atual Cine Livraria Cultura, tentando, como sempre, introduzir alguma inteligência na programação.
Penso nos grandes filmes que vi no Belas Artes nos anos 1970 e 1980. Foram tantos, mas não me lembro de nenhum. O que me vem à cabeça, ao contrário, é uma cena não de dentro do cinema, mas da porta, na rua.
Um grupo de pessoas esperando disfarçadamente para entrar numa das salas e ver, clandestinamente, uma das primeiras cópias, devidamente proibidas, de "Os Inconfidentes" (1972), de Joaquim Pedro de Andrade.
Depois de alguma angustia, os conspiradores finalmente vêm chegar Sergio Muniz, triunfante, carregando a cópia. E a pequena cerimônia da espera, naqueles dias perigosos, foi tudo o que ficou na minha memória.
Agora, acompanhando o mundo a que pertenceu, o Belas Artes se vai para sempre. Não vou sentir saudades dele. O que sinto, no fundo, é saudades de mim, nele.

UGO GIORGETTI, 68, cineasta, é diretor de "Festa", "Boleiros", "O Príncipe" e outros


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