São Paulo, sexta, 6 de fevereiro de 1998

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HQs brasileiros se mesclam a americanos

PEDRO CIRNE DE ALBUQUERQUE
free-lance para a Folha

Está ficando mais fácil para os fãs de quadrinhos encontrar autores brasileiros nas bancas. Mas não se pode dizer que está mais fácil reconhecer o país nas páginas das revistas.
Com dificuldade para se firmar no fechado (e concorrido) mercado editorial brasileiro, os quadrinhistas nacionais dividem-se em duas tendências: produzir histórias no estilo dos "comics" norte-americanos ou optar por caminhos que reflitam mais a sociedade e a cultura brasileiras.
Nesse princípio de ano, há mais de dez novos títulos brasileiros nas bancas. A maioria deles mostra músculos bem delineados dos heróis e heroínas, que lutam em batalhas pelo bem da humanidade.
Para o carioca Flavio Colin, que trabalha com HQs "desde a década de 50", influências norte-americanas resultam de fatores como a distribuição das revistas e a vontade das grandes editoras em investir apenas naquilo que dá retorno certo, sem apostar em novidades.
Segundo Colin, as maiores editoras se interessam apenas por histórias que vendem bastante, que são os "comics" norte-americanos. "Por isso, quem consegue publicar aqui são os que bebem na mesma fonte. Acaba ficando tudo muito parelho, muito igual."
Colin publicou recentemente "O Boi das Aspas de Ouro", adaptação de uma lenda gaúcha. Segundo ele, a abordagem dos temas locais é quase exclusiva dos fanzines, publicações feitas geralmente por fãs de HQs em revistas baratas e de pequena circulação.
"Pouco se toca em assuntos como folclore brasileiro e temas regionais. O que não falta no Brasil é assunto, como é refletido em fanzines como o cearense 'Capitão Rapadura' e o mineiro 'Caliban', este último com referência à mitologia indígena. O que falta é que os editores invistam nos quadrinhos que dizem respeito ao nosso país."
Para o desenhista Marcelo Caribé, que trabalha na também recém-lançada "Capitão Ninja", o predomínio das revistas de estilo mais "americanizado" é uma resposta ao desejo dos leitores.
As histórias do Capitão Ninja falam de uma agência secreta do governo norte-americano. O herói é especializado em invasões alienígenas. "Crescemos lendo 'Homem-Aranha' e 'X-Men', que são bem americanos. O público está acostumado com gibis assim. É um processo natural: se as revistas vingarem, automaticamente vão assumir uma cara brasileira."
Para o argumentista Marcelo Cassaro, certos gêneros de quadrinhos não poderiam ser contextualizados para terras brasileiras.
Dos três títulos de Cassaro que estão nas bancas, em um a história se passa em outro planeta, "Lua dos Dragões", de ficção científica, e nos outros dois os super-heróis lutam pelas ruas de Chicago.
"Nós chegamos à conclusão que quadrinhos de super-heróis fazem parte da cultura norte-americana. Fica estranho demais você colocar um super-herói aqui, do mesmo jeito que fica se colocarmos um desfile de Carnaval na Quinta Avenida de Nova York", diz Cassaro.
Canceladas
O "supervilão" das revistas nacionais que conseguem chegar às bancas é o mau resultado nas vendas. Dois lançamentos nacionais de 97 não seguiram no mercado. "Alta Voltagem", da Volt, foi cancelada após o terceiro número.
"O principal motivo do cancelamento foi a distribuição. A revista não foi encontrada em várias capitais. Não recebemos o retorno que esperávamos", diz Marcelo Campos, que a desenhava e editava.
A revista "Metal Pesado", que reunia várias histórias curtas de autores brasileiros, vai sair de circulação temporariamente -e talvez em definitivo. Os editores discutirão, em março, se a "Metal Pesado" continua "viável".



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