São Paulo, terça-feira, 06 de abril de 2004

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CINEMA

Por ser considerado anti-semita, "Paixão" é liberado em parte do Oriente Médio

Mel Gibson afrouxa censura árabe

Reuters
Espectadores do filme "A Paixão de Cristo' nos Emirados Árabes


FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A MANAMA E DUBAI

No Ocidente, grupos judaicos acusam "A Paixão de Cristo" de anti-semitismo. Atacam a produção de Mel Gibson desde antes da estréia. E pedem sua proibição.
Em parte do Oriente Médio, o veredicto é idêntico, o efeito é o oposto. Justamente por ser considerado anti-semita, o filme merece ser exibido. Nem que, para isso, seja preciso abrir exceções, ignorar regras, violar convicções.
Para o islamismo, Cristo é um profeta. E a sharia, a lei islâmica, veta qualquer representação de seus profetas, sejam eles Jesus, Abraão, Moisés ou Mohammad.
Mas o apelo das cenas de tortura e da possibilidade de uma interpretação anti-semita foi mais forte: a proibição histórica foi temporariamente esquecida com o lançamento de "Paixão". O filme está sendo exibido sem cortes ou censura em países muçulmanos como Emirados Árabes Unidos, Síria, Jordânia, Arábia Saudita, Omã e Qatar.
Na Palestina, de esmagadora maioria muçulmana, a produção ítalo-americana é um sucesso, uma espécie de bandeira de resistência contra Israel, cujos cinemas se recusaram a exibi-la.
No Egito, as salas têm ficado lotadas desde a última quarta, dia 31, quando o filme entrou em cartaz. Com uma ironia: como que para dar uma satisfação a grupos xiitas, os cinemas colocaram em suas bilheterias um cartaz eximindo-se do conteúdo da fita.
"O filme reflete apenas a visão de seu criador", diz o aviso.
No ano passado, por fazerem referências sutis ou irônicas a Deus, o Egito proibiu em seu território "Todo Poderoso", de Jim Carrey, e "Matrix Reloaded".
"Os censores acreditam que "A Paixão de Cristo" traz mensagens anti-semitas porque mostraria os judeus como os grandes vilões da morte de Jesus. E só por isso o liberaram com tanta facilidade, com tantos privilégios", declarou Mustafa Darwish, crítico de cinema e ex-diretor da divisão de censura do governo egípcio em entrevista à TV barenita.
"Sinceramente, eu duvido que isso acontecesse caso o filme não tivesse toda essa conotação."
Até o Centro de Pesquisa Islâmico da Universidade Al Azhar, no Egito, reviu seus conceitos.
A principal instituição islâmica sunita do mundo não emitiu parecer sobre o filme porque ele estaria além de sua "alçada", segundo afirmou ao diário "The Gulf Daily News" Muhammad el-Rawy, do Conselho de Pesquisas Islâmicas da universidade.
"Não aceitamos que o cinema mostre imagens dos profetas. Mas, no caso, estaríamos interferindo em outra crença. O que está ali é uma passagem da Bíblia, e isso não diz respeito ao Islã."
Em Dubai, capital dos Emirados Árabes, a liberação foi comemorada no editorial de seu principal diário, o "Gulf News". "O governo merece ser cumprimentado por permitir a exibição do filme. A decisão não apenas abriu possibilidade para estrangeiros cristãos que vivem por aqui assistirem à obra como também foi um claro reconhecimento da liberdade artística. A cristão e muçulmanos foi dado o direito de escolha: assistir ou não ao filme."
O Bahrein foi uma das exceções no Oriente Médio: proibiu a exibição. Surpreendente. O país é forte aliado americano e um dos mais liberais da região.
"Proibimos porque a produção vai frontalmente contra a sharia. Quando os cinemas daqui nos procuraram há três semanas, assistimos ao filme e decidimos pelo veto", disse, em entrevista à Folha, Jamal Dawood, diretor do Ministério da Informação do Bahrein, em Manama.
"Sei que isso pode até alimentar ainda mais polêmica, mas isso já não é nossa responsabilidade. Apenas fizemos o que tínhamos que fazer. Foi simples assim."


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