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CARLOS HEITOR CONY
O milagre da banana
De tanto adiar meu projeto de ser santo fui me tornando descrente de tudo
TODA SEXTA-FEIRA Santa, como
a de hoje, eu relembro não
exatamente a morte de Cristo, mas a morte de um projeto meu,
aliás, o único projeto de vida que tive
e não realizei: eu queria ser santo.
Ser santo, para mim, não era ser virtuoso, entregue a orações e penitências, pensando bem, nunca fui religioso no sentido usual, apesar dos
anos que passei num seminário católico, era terreno, material, mundano, embora soubesse que devia
amaldiçoar o diabo, o mundo e a carne.
Eu queria ser santo para fazer milagres. Os heróis do meu tempo de
menino eram os personagens das
histórias em quadrinhos, Tarzan,
Flash Gordon, Mandrake, X-9, o Ás
Drumond, Jim das Selvas, Fantasma, Batman e o Capitão Marvel. Eu
os apreciava, mas não queria ser como eles, enfrentavam muitos perigos, corriam riscos que não me
atraiam.
Faziam maravilhas, é certo, mas
não faziam milagres. Além do mais,
eram personagens de ficção, não podia imitá-los porque, entre outras
coisas, não tinha inimigos poderosos nem vontade de salvar os outros,
apenas de me salvar.
Os santos eram diferentes, não
enfrentavam tantos perigos assim, e
só tinham o demônio como inimigo
-um inimigo que podiam vencer
com um pouco de água benta e uma
ave-maria. Em compensação, faziam milagres formidáveis. Santo
Antônio tinha o dom da ubiqüidade,
transportava-se fisicamente pelo espaço de forma mais sadia que qualquer herói do "Suplemento Juvenil". Estava pregando numa igreja e
comparecia a um tribunal distante
para depor a favor de um inocente.
Pregava na praia e os peixes vinham
à tona para escutá-lo.
Geraldo Magela foi um santo que
chegou a ser proibido de fazer milagres. O bispo o chamou e disse que
ele estava atrapalhando o rebanho
de fiéis, que o procuravam diretamente, passando por cima da própria igreja. Saindo da casa do bispo,
Geraldo Magela viu um operário
despencando de um andaime.
Tendo prometido não mais fazer
milagres, ele mandou que o operário
ficasse parado no ar e voltou ao bispo, expôs a situação, o bispo foi ver e
viu o operário parado no ar. Diante
da situação extrema, abriu uma exceção e deixou Geraldo Magela fazer
o resto do milagre. O operário pousou tranqüilamente no chão.
Ora, para fazer proezas iguais eu
precisava ser santo e lá fui para o seminário, onde acreditava que podia
me entregar a uma vida devota que
me desse poderes sobrenaturais. Na
primeira refeição de minha nova vida, havia uma enorme banana d'água como sobremesa. Imaginei que
poderia, um dia, transformar aquela
banana em ouro, seria bom para todos, para a igreja, os fiéis e para mim.
Os meus superiores teriam de escrever ao papa uma carta em latim dizendo que um aluno transformava
bananas em ouro. Perguntei aos
meus colegas como era banana em
latim. Não podia ser "banana", nominativo, e "bananae", genitivo.
Um outro aluno, do terceiro ano,
também não sabia, mas sabia embromar. Disse que os romanos não
conheciam a banana, fruta tropical,
logo não tinham necessidade de dar
nome para uma coisa que não existia
para eles.
Ouvi as explicações. Ninguém me
perguntou por que diabo eu logo no
primeiro dia queria saber como era
banana em latim. Decidi esperar um
pouco, adiando minha vontade de
fazer milagres. Além de ignorante,
eu não era santo o suficiente para
curar paralíticos, fazer os cegos enxergarem, curar doentes, nem mesmo fazer de uma simples banana um
pouco de ouro que ajudaria a evangelização dos pagãos da Manchúria.
De tanto adiar meu projeto de ser
santo e realizar milagres, fui me tornando descrente de tudo, de mim
mesmo principalmente. Fiz uma revisão das promessas feitas de abjurar o mundo e a carne. Ainda não
cheguei ao ponto lastimável de fazer
um pacto com o demônio, que também faz milagres ao jeito dele.
Eu era louco por tortas de banana
(banana normal, sem ser de ouro).
Fiz uma besteira qualquer e o pai me
castigou, proibindo que minha mãe
me desse o pedaço que me competia.
Nesse dia, eu vendi minha alma ao
demônio, que não me deu o ar de seu
enxofre. Pensou -e pensou certo-
que minha alma não valia um pedaço de torta de banana.
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